Canção dos maridos: o último marido

O primeiro marido possuía um belo nariz  
estendia a roupa de forma conscienciosa 
tinha um emprego com descontos incluídos 
era especialista em carne de porco à jardineira
o segundo marido falava 
para cima de cinco línguas 
sendo poeta passeava ao longo da linha da praia com alguma frequência 
comparava-me a estalactites pirites e outras obras imensas 
o terceiro levava-me o pequeno-almoço à cama 
apanhava a roupa suja com os próprios dedos 
perguntava-me se era feliz 
o quarto marido analisava a minha vida passada
perscrutava vigorosamente erros cometidos 
examinava fotografias antigas
constatava que que o meu rosto não ia na melhor direção 
já o quinto gostava de sardinhas, caça submarina 
nadava horas debaixo do mar 
tinha a pele tostada do sol e olhar azul 
o sexto passou mais depressa que um fogo-fátuo nem me apercebi das suas  
características 
guardo um cantinho com ternura por essa estrela fugidia 
que não cheguei devidamente a conhecer 
depois disto fiz-me ao campo 
estava a ficar velha e pensei que as plantas altas e rudes me aceitariam 
sem fazer perguntas 
levava comigo uma faca do mato para o desbravar  
e embrenhei-me no coração da terra 
por assim dizer. 

Foi então que o vi: 
ao cortar os pés dos bambus: 
atrás dos bambus:  

um raposo vestido de fato e chapéu 
remexendo as folhas com uma elegante bengala  
olhando para mim com olhos brilhantes de troça.