"On Chesil Beach", um livro sem acontecimentos
/On Chesil Beach, de Ian McEwan, não é, ao contrário do que se diz na capa, um livro de cortar a respiração. A bem dizer, pouca literatura corta a respiração. O processo a partir do qual se obtém prazer da literatura está ligado a algo que se poderia apelidar de cansaço. A literatura cansa e derruba o animal, a frase deliciosa convence, sossega o estômago, e desta maneira se vai de livro em livro, a lutar contra a selvajaria de estar vivo, a preparar o olho vencido para o dia seguinte. Um dia, num concerto de Carlos do Carmo a que por acaso assisti, reparei que o artista detestava as palmas do público e exigia silêncio. Retirar prazer da literatura tem um pouco que ver com a irritação contra as palmas manifestada por Carlos do Carmo. Não há palmas nem paragens de respiração na literatura. O êxtase é silencioso e comedido. O que encontramos nesta novela é intensidade psicológica, cenas, momentos, pedaços de vida descritos a partir do que se sentiu. Estados de alma, sensações, como o nojo sentido pela rapariga ao ser assaltada pelo linguarudo beijo do marido. Longas e belas são as linhas que nos contam que aquele beijo e aquela língua são tão bem-vindas na boca da mulher como uma martelada nos dentes. É disto que este livro a lembrar Stefan Zweig trata, portanto, de sentimentos, de delírios. A história é simples e só um grande escritor conseguiria mantê-la durante duzentas páginas. Um jovem casal recém-casado, e aparentemente muito apaixonado, parte em lua de mel. Ele quer perder a virgindade, ela nem suporta a palavra sexo, a língua e a mão dele pousadas na sua perna nauseiam. Duzentas páginas de avanços e recuos mentais. Houve uma vez alguém que resumiu uma obra de Hemingway como a história de um velho que sai de manhã para pescar e regressa com um balde vazio. Pois bem, esta é a história de um casal que se casa e separa no mesmo dia por a noiva repudiar qualquer contacto físico. Uma história que sugere que o casamento pode ser uma experiência a dois, que pode excluir o sexo mas incluir amor.
"Perhaps I should be psychoanalyzed. Perhaps what I really need to do is kill my mother and marry my father."