A nudez de Scarlett Johansson com uma nota de Byung-Chul Han

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A Maja Desnuda de Goya, c. 1870/80, inaugura os nus femininos reais, foi uma das primeiras vezes em que o púbis aparece retratado, ao mesmo tempo que o olhar da personagem nos confronta e nos desarma, obrigando-nos a vê-la como um ser histórico em vez de mitológico. Note-se, todavia, que o seio direito está fora do lugar, desafiando claramente as leis da gravidade. Goya sacrificou o realismo da anatomia à, creio, erotização da personagem, o que comprova o fascínio do masculino por esses órgãos que servem a vida.

O texto infra foi escrito em 2011 (introduzi pequenas alterações), ano do acontecimento (suposto roubo e difusão de fotografias íntimas do telemóvel da actriz Scarlett Johansson), revisito-o agora a pretexto de um livro recente de Byung-Chul Han sobre a Salvação pelo Belo (espero recenseá-lo em breve). Uma das teses do filósofo é a do desaparecimento do belo, porque tudo se tornou liso (“O liso é o fio de [Ariadne] da nossa época. Ele liga as esculturas de Jeff Koons, o Iphone e a depilação brasileira”), não há dobras, físicas ou metafísicas, estrias onde alojar a dúvida ou a dor, tudo acontece numa tessitura implacavelmente dócil e fluida, corpos depilados e obras de arte sem qualquer obscuridade ou indecisão, como as de Jeff Koons, desprovidas de profundidade (“Face à sua arte, nenhuma interpretação, nenhum juízo, nenhuma hermenêutica, nenhuma reflexão, nenhum pensamento é necessário”). Ainda relacionado com as imagens de Johansson, diz Byung-Chul Han: “Face à vacuidade interna, o sujeito da selfie tenta, em vão, fazer-se engraçado. As selfies são formas vazias de si. Elas reproduzem o vazio. […] Trata-se de um narcisismo negativo.” Vejamos então o que pensava e agora se actualizou.

“O Jornal El País tem um artigo muito interessante de Vicente Verdú com o título “Scarlett y el púbis”. Relata o pretenso roubo das fotografias do telemóvel de Scarlett Johansson. O artigo desenvolve-se a partir da hipótese desse roubo ter sido encenado. O articulista estranha que tirando fotografias a si mesma, liberta da roupa protectora (que tantas vezes favorece o erotismo), Johansson as tivesse deixado num objecto que facilmente se perde. Já o acto narcísico das auto-fotografias [em 2011, o termo selfie não estava na moda], claramente atravessadas por energias libidinosas, é para ele compreensível, porque essa é a quase-condição para ser o que é: objecto de desejo e fonte de inspiração estética.

Surpreende-o também que tudo pareça tão escrupulosamente encenado, ao ponto de não o ser. Isto é, com a inflação actual de imagens que expõem o corpo nu esculpido em make up (tangível ou digital), um que apareça desleixadamente natural aumenta tremendamente a carga erótica. Além dessa naturalidade, Johansson aparece em lugares e com posses onde os homens normais costumam viver a realidade ou as fantasias sexuais, dando assim verosimilhança ao “sexo óptico” que as fotografias transportam.

Verdú termina dizendo: “Scarlett Johansson, ou qualquer outra com estatuto idêntico, não pode conformar-se em oferecer ao voyeur contemporâneo o mesmo aborrecido top-less de sempre, ou a insignificante morfologia do seu sexo, mas um cenário onde passeia, adormece, pensa, se depila.” Isto é, Johansson “oferece-se” num cenário realista que parece acessível ao “comum dos mortais”. Johansson tem, pois, de convidar-nos para a sua casa e desenhar poses que fazem de cada um de nós o seu voyeur preferido. Abertas a todo o mundo através da internet, estas fotografias dão-se, paradoxalmente, como únicas, autografadas pelos gestos e cenários íntimos, a cada um dos espectadores.