As Aventuras do Senhor Lourenço (§27 senhora inspectora)
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A inspectora nomeada para o processo do Lourenço andava na casa dos 50, saia-casaco imaculado, camisa branca a deixar entrever a zona dos seios ("velho truque feminino", pensou Lourenço), maquiagem perfeita, sapatos fechados com salto alto, cabelo pintado de louro. Algum ouro no pescoço, uma pulseira, dois anéis e um Smartwatch da Apple completavam a toilette. Era, sem sombra de dúvidas, a mulher mais bela na escola, tinha aterrado ali, porém, para julgar e provavelmente castigar. Daí um sorriso que nunca desfazia a ambivalência, pondo os interlocutores à distância. Os inspectores, sempre achou isto, deviam ser mestres da distância.
Só falou com Lourenço 2 ou 3 dias depois de ter chegado. Foi no intervalo grande das aulas da manhã. Questão de marcarem, disse a inspectora, o “modus operandi” das audições. Ficou agendada uma sessão por dia, às 18 horas, durante uma semana. Entretanto, ouviria alunos e pais, tendo já registado a versão, ou versões, da Direcção. Tudo muito eficiente, e isso deixava Lourenço mais descansado, a eficiência era a sua principal adição, não por qualquer impulso irracional, mas porque lhe parecia que continha sempre mais bem do que mal, preferia este critério moral do que as velhas regras que resultam sempre da cosmovisão dos grupos dominantes e, de uma ou de outra forma, impõem obediência e sectarismo.
A inspectora chamava-se Matilde, o nome fora-lhe dado muito antes de estar na moda, na altura era um nome de aldeia. Lourenço soube mais tarde que ela tinha fugido da miséria e do isolamento de uma aldeia beirã mostrando inclinação para servir a Deus num convento de freiras. Uma vocação oportunista, como aconteceu tantas vezes em Portugal. As regras espartanas e o hábito das leituras sagradas no convento tornaram-na uma excelente aluna, formou-se mais tarde em História na Universidade Clássica de Lisboa, com a média mais alta do seu ano. Foi professora durante quase duas décadas, sempre a mudar de lugar, até que concorreu para inspectora de educação, e ficou. Nunca se casou nem foi prolífica nos namoros, era demasiado rígida para seduzir os colegas. Além disso, nas escolas a desproporção entre feminino e masculino é tão grande que o melhor para as senhoras é irem pescar fora de portas. Com tanto por onde escolher, os pouco colegas interessantes apostaram noutras, mas talvez se tenham enganado, a inspectora era agora uma mulher em forma, apetitosa, quase femme-fatal, enquanto muitas das colegas que a tinham vencido há 25 anos ganharam pelo menos 3 barrigas, 20 quilos de gordura e já não se importavam com a roupa ou o penteado. Aliás, parte delas estava divorciada, e só um vibrador lhes podia dar alguma prazer sexual. É verdade que neste aspecto também a inspectora não sabia o que era um pénis há muito, mas se quisesse passar pelas chatices do engate longo, e não apenas levar com um macho apressado em cima dela depois de uma noite de copos, teria facilidade em acasalar, sexual e socialmente. Sentiu esse apelo algumas vezes, mas retraiu-se sempre, pesados os prós e contras, concluía que era melhor ficar quieta, redimindo-se com os sex-toys que tinha na mesinha de cabeceira, comprados nos últimos 10 anos, sempre durante os saldos, a maioria na Amazon. Tinha vários pénis de fantasia, dos mais realistas aos vibrantes e com câmara incorporada (gostava de ver as entranhas), objectos de alta tecnologia, com materiais amigos do ambiente, polidos até ao liso quase metafísico. A inspectora levava a masturbação a sério, encenava a peça sexual ao pormenor, onde o parceiro imaginário se portava à altura do seu desejo e caprichos. Os preliminares, feitos com um diálogo onde contava ao parceiro os seus principais fetiches (ser batida e insultada, sexo anal e oral, receber o sémen na cara), iniciavam a linha ascendente da excitação, cerca de 15 minutos depois estava húmida e começava a penetrar-se, primeiro na vagina, depois no ânus (preferia estes termos aos do jargão vulgar da pornografia). Cerca de meia-hora depois tinha o primeiro orgasmo, por vezes incontrolável. Seguiam-se mais 4 ou 5, geométricos, libertados no exacto momento em que atingia a máxima intensidade, uma espécie de explosão, ou implosão, controlada. Esta segunda leva era conseguida quer pela vagina quer pelo ânus. E pronto, um banho e atirava-se ao romance de cabeceira, ultimamente a reler os “clássicos dos clássicos” (Ulisses, Crime e Castigo, A Procura do Tempo Perdido e O Homem Sem Qualidades), à vez durante a semana, conseguindo não misturar as histórias ou os estilos. Uma leitora pós-moderna num corpo sexuado claramente moderno.
– Colega Lourenço, vamos lá então perceber o que se passou.
– Claro, senhora inspectora.
– Trate-me por Matilde, por favor.
– Com certeza.
– Comecemos pelo contexto: dia, aula e turma, pode ser?
– Claro.
Lourenço desenrolou o fio do novelo, guardado com objectividade na sua memória. Não lhe custou muito, e depois de se ouvir achou que a inspectora só poderia absolvê-lo.