Teodora Cardoso leu os clássicos todos

Não que a entrevista interesse. Talvez interesse. O que chamou a atenção foi dizer-se que Teodora Cardoso, presidente do Conselho das Finanças Públicas, "leu todos os clássicos da literatura." Para além de ser algo inédito no mundo, e por isso digno de louvor, é também sintoma do alto desprezo que as elites portuguesas têm por qualquer coisa relacionada com as humanidades. Leu tudo, tanto que já nem lê o que de mais recente se vai publicando, possui colecções inesgotáveis de música clássica. Parabéns, Teodora. Este é o ano dos portugueses. Resta saber quantos são os clássicos e a partir de que ano de publicação é que um "romance", coisa pouco do gosto de Teodora, perde o rótulo de clássico e passa a ser "moderno", isto é, menor e portanto pouco apetecível em termos de leitura, ou melhor, de distracção do que realmente importa. Este é o discurso do lucro. O de alguém que não olha para o ensino das humanidades como crucial para a formação do indivíduo. Ler pode contribuir decisivamente para que nenhum Donald vire presidente ou para que não aceitemos de olhos fechados a inevitabilidade da austeridade ou da decadência ou do desemprego. Este é o discurso de quem diz que adora ler, que leu tudo, especialmente o que confere gravitas, virtus, mas que na verdade despreza a literatura, a história, a filosofia. Passos Coelho também apareceu um dia a garantir que não perdia tempo a ler romances. Lia a Fenomenologia do Tempo, ou a Fenomenologia do Ser ou do Existir - que interessam os títulos, quando o que conta é o conteúdo? Teodora leu os clássicos todos e agora lê romances policiais por diversão. Leu Tolstói. Aliás, releu Tolstói mas Dostoiévski nem ver. Com aqueles experimentalismos, não ensina a ganhar dinheiro nem a compreender o mundo. Vejam como a literatura é menor, como é pequena, contabilizável. Cabe no bolso de uma contabilista, perdão, economista, perdão, figura mundial.

Deixo um excerto da preciosidade:

A nível de literatura, não leio muitos romances, sobretudo modernos. Li os clássicos portugueses, ingleses, franceses, alemães e russos. Mas russos só o Tolstoi, de Dostoievski não gosto muito. Ainda há pouco tempo andei a reler “Guerra e Paz”, que é um grande livro, sempre atualíssimo. E li-os em geral no original, no caso dos alemães em traduções para francês ou inglês, muitas vezes com edições bilingues, porque de facto gosto muito de ler os originais. E filosofia também. Sempre gostei e continuo a gostar. Depois, há uma coisa completamente diferente destas todas e em que sou especialista, como com os chás, que são os livros policiais. Eu preciso de livros policiais para adormecer. Não é porque me deem sono mas porque me fazem desligar do dia a dia.