Amor, a partir de Tarkovski

O sonho dele é o meu, disse-me
apontando as paredes com rios
dentro – ou seriam mares
porque respirávamos a salgada cicatriz
da ferrugem nas portas arrebentadas?
 
 As paredes levadas pela correnteza,
o teto desabando enquanto dormia
para acordar soterrada, gritando,
gritando grávida de um pesadelo
em que não éramos nascidos.
 
O inverno fratura suavemente os ossos.
Na cama os lençóis enregelados.
A aragem do vazio na carne.
Os cachorros latindo enquanto uivo
metálico de uma locomotiva naufragada.
 
 Por entre os escombros, erguia
para o luar os olhos esfacelados, para
a luminosa e nula aura de insônia –
a fria dor do mármore feito carne
e o delírio do mármore feito ardor.