Carta-Convite 

 

A Tatiana Faia

 

Quem chega pela Rio-Santos, sentido Rio de Janeiro, e vira à direita para cair na avenida antipaticamente batizada com o nome de algum figurão da região, vai descer uma ladeira, passar pelo shopping center (esse já com o nome simpático de Piratas Mall) e então virar à esquerda na avenida Caravelas – nesse momento, ele já estará visível à distância. Agora é preciso explicar um pouco mais o entorno. O mar está à esquerda, a cerca de 50 ou 100 metros do asfalto (perdão: nunca fui boa em estimar distâncias), à direita, a cidade avança para o norte e noroeste, espremida pelos morros ao fundo, morros sobre os quais a ocupação humana continua a avançar em formas precárias e violentas que preocupam a Defesa Civil e a Polícia Militar e até me lembram, para o meu aborrecimento, do Third World daquele professor holandês que me irritou tanto. Daí do topo da Av. Caravelas (pois ela começa com um pequeno declive), a 400 metros de distância (dessa vez, usei o Google Maps), você vai ver lá embaixo, cercado pelo colorido da favela nos morros das redondezas, o glorioso Acrópolis Marina Hotel. A primeira coisa que achei engraçada no bendito foi justamente essa sua posição em relação à paisagem circundante: se, na acrópole ateniense, a que fomos juntas pela primeira vez há uns anos atrás, a cidadela é mais elevada do que a mancha urbana que respeitosamente a envolve, no caso do hotel angrense, a situação foi invertida, e a ‘acrópole’ local ficou no fundo da cidade, bem no nível do mar, com risco real de afundar de vez, uma hora ou outra, quando as calotas polares acabarem de derreter. E não é só o nome desse hotel que me faz lembrar de Atenas, mas também sua baixíssima frequência, mesmo em alta temporada, um abandono não tão radical quanto àquele do Classical Acropol Hotel, de nossa segunda visita à Grécia, mas que rapidamente me faz pensar nele, com seus cinzeiros repletos de cinzas, as louças sujas dos últimos hóspedes ainda espalhadas pelas mesas, feliz cenário para o Non-Visitor Center de uma exposição de arte quase impossível montada na zona da exclusão de Fukushima. Quase impossível, mas que, no entanto, está lá, como nós mesmas podemos testemunhar... Ou não? Don’t follow the wind. 

Por falar em radioatividade, se você vier, também quero te levar à Praia do Laboratório, vizinha à usina nuclear. Pelo que eu entendi, a usina utiliza a água do mar para resfriar os reatores e é por isso que a água de lá é deliciosamente tão morna, uma verdadeira jacuzzi marítima. Dizem que os tubarões também curtem a temperatura e vão àquelas águas para criar seus filhotes. Mas quem há de ter medo de tubarões bebês? A praia, além do mais, tem correntes fortíssimas, redemoinhos presumidamente causados pelo sistema de captação de águas da usina. Nada disso, é claro, nem mesmo o perigo de um desastre, é capaz de afastar os banhistas de águas tão mornas e tão azuis (assim como não afastará a nós, tenho fé). 

Falando francamente, Angra, enfim, é só um canto como qualquer outro no mundo, tão acolhedor quanto insuportável. Mas entre a necessidade de novidades e o pavor das coisas inteiramente novas, o equilíbrio é decididamente delicado, e aqui há pelo menos a vantagem das coisas semiconhecidas: breves semelhanças com outras paisagens já visitadas, o eventual alívio de uma anagnórisis engraçadinha. Então, por favor, não demore, deus sabe quanto tempo mais eu ficarei por aqui, quanto tempo mais você estará por aí, e é sempre bom que a gente se encontre às vezes, nem que seja para observar, com galhofa, a desolação ao redor. Prometo que posso até maneirar no papo de catástrofes e abandono, mas venha, venha logo. Temos aqui uma Grécia de ponta-cabeça à espera de nossas risadas.