5 poemas de Lucas Trindade da Silva

DESTOA
 
Destoa
em beiramento de falésia
um sorriso estático
esquálido e ridículo
como um tronco assanhado
se fazendo mangueira
neste setembro cerrado
agreste e vazio

A sombra ausente da galhada seca
faz lembrar essa vida
sem copa
de folha e de fruto
sem cópula
mansa nos carinhos em brisa da flor

É um bravio sem vingança
um bravio só ele
esse marrom seco
essa grama que arranha a planta
do pé
e do juízo

Me esforço em
agreste ser
tanto quanto
mas sinto um eco de mar
Um eco de mar molha o barro
e faz nascer
ipê

Vejo esse amarelo de pétalas
esse querer de horizonte
no mar que volta
em mim


enveredar-se
na ausência
das veredas

retraçar trilhas
sem a margem
oscilante
dos teus ditos

bússola

para assim
desertar
dos desertos
e
destrinchar
as trincheiras
do impensado 

ver
sereno

sete
palmos
abaixo
das nuvens

sete
dias
traçados
no tronco

do tempo
sente

a eternidade
do orvalho
que o carrega
desperto
até o jardim


no princípio era o corpo
e já para o corpo algum tipo de lei
contra a qual lutar
e já para o corpo
a espessura dos vales
a escuridão das matas
e a viva morbidez do olho

e já para o corpo
um desejo que se faz na renúncia
e já para o corpo
                um fogo
                consciência das cinzas


a Bernardo Soares


Toda rede é um pedaço de útero
e nela joga-se a própria sorte

Todo poente um lampejo de morte
e um portal do dessabido
entretido na quimera de um negativo-menos-que-nada
onde reina a coroa de lata

Transpasso a chuva como a retina do mundo
e acesso o brilho das coisas invertidas
tidas como falsas opacidade e engano

Mas é o nariz que fornece
o intelecto inodoro do real
e a nos mostrar o desvivido de tudo


real é tudo aquilo que (des)percebe em si uma fissura
mais que a tangibilidade da criatura
menos que a perfurabilidade da lâmina
a idade do real é o tempo da chama
da lisura do ar rasurado em oceano

sei do devaneio como um meio para o não dizível
por isso te digo
da altura alcançada pelo meu silêncio
que a doçura do abraço dorme em tudo que é capaz de repulsa
e que a nostalgia da terra sonha num leito feito de pedra vidro e aço