- 50 Andorinhas -
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PRIMEIRAS 10 ANDORINHAS
I
Amar exige esquecer-me, exige
o mais profundo desejo de dissolução.
II
Não esqueças a água, o poder da água, o
poder do esquecimento. A cura.
III
Louva, entre o fogo dos dias, Deus, a pos-
sibilidade do mundo longe do olhar.
IV
Pondera, na escura solidão da dor, os
“nãos” a dizer àquele que amas.
V
Deseja, deseja sempre. Deseja sobretudo
nunca desejar o desejo. O corpo nu.
VI
Lento são os teus pensamentos em dias de
nevoeiro. Sonha, procura aquilo que és!
VII
O corpo arrastado da árvore que morreu
é hoje esse sorriso entre mãos.
VIII
O som dos dias misturados em suor
é a tentativa de ir além do corpo.
IX
Sôfrego homem de pele vermelha não
desistas da luta inútil. A vida.
X
Pedra, calçada ou virgem abandonada na
montanha, pede a liquidez do suor.
MAIS 24 ANDORINHAS
XI
Espalha o teu cabelo curto nas margens da
cadeira onde sentaram os reis e recolhe.
XII
Secura do Ser, da vida, dos dentes secos,
esponjas entre mãos. As tuas doces mãos.
XIII
Amor, se eu pudesse dizer amor. Esquece tudo
aquilo que sonhaste. Voa além da dor.
XIV
A palavra secando em estendais divinos,
esticando o seu corpo até à incompreensão.
XV
Homem de sonho com palavras de sal espera
a dor lentamente. Espera. Recolhe-a. Sim.
XVI
O poderoso corpo em esforço seria talvez a
solitária vontade dos homens. Todos e tu.
XVII
Não mais provoques a dor, não mais
esperes a poderosíssima voz do outro.
XVIII
Fechada, a concha, não reconhece a dor.
O mar é toda uma dimensão imaginada.
XIX
Sossega, mente de espinhosa visão, sê
a folha branca desenhada. Condensada.
XX
Pelos do mar, curvas do desejo. Vê
a escuridão do teu interior em ruína.
XXI
Colapso de tempo, no pequeno corpo mole,
dá-lhe desassossego do lugar. Dispersa pena.
XXII
Peruca de cabelo branco, cabelo branco de
peruca. Branco fio de peruca. Brancura seca.
XXIII
No terceiro dia o sol não tinha forças,
o grande sol não tinhas. Ó nasceu.
XXIV
Ponderado senhor de gravata vermelha
quem sois sobre o frio da montanha?
XXV
Entre o poder da calçada, a teimosa areia
procura dizer a verdade da vida.
XXVI
Unha pobre, de quem é o dente que
te tritura? Seca, pintada, afiada.
XXVII
Pena de corvo lançada ao vento da morte,
diz-me onde encontrar a perdida nuvem.
XXVIII
A coluna em inclinação deseja toda a
negada verticalidade. A moleza do corpo.
XXIX
Espelhados são os esforços dos dados,
das mãos, dos sins e dos nãos . Nega.
XXX
De encontro a encontro aperta o amor
que te ficou. Encaixota-o ou afoga-o.
XXXI
Lenta é a palavra esticada, um corpo em
dimensão de horizontalidade infinita.
XXXII
O rio, de onde saíste, era tudo aquilo de que
precisavam os mil peixes sobre a mesa.
XXXIII
Do lado de cá, tudo pode ser possível, se
fizermos de um ponto a explosão da tua alma.
XXXIV
Não, dizes-me Não. E eu não posso
dizer-te. A seta reenviada marca o sim.
MAIS 13 ANDORINHAS
XXXV
Espera lentamente que a desilusão dessa-
pareça para nela renasceres, tentares.
XXXVI
Longo é a palavra do desespero, a única que
conhece a verdade que a razão esqueceu.
XXXVII
Sonha. Dá ao corpo o descanso. Recolhe sobre
ti a poderosa vontade de Deus. Acende o silencio.
XXXVIII
Não repintar. Repete sempre o sim, mes-
mo que todo o teu corpo sangre.
XXXIX
As folhas das árvores resistem ao cair e
eu, aqui neste jardim, ainda estou vazio.
XXXX
Nau de rochosos tijolos voa sobre os
homens e mulheres que exigem o Sim.
XXXXI
Esmaga a dúvida, a dor, o peso do medo,
vê sobre a ruína a possibilidade nata.
XXXXII
Larga o peso, esconde o rosto. Vê sob
todo o manto a desejada dissolução.
XXXXIII
Narciso sonhou sozinho no meio do
jardim. Engolido pelo ego nasceu.
XXXXIV
Carne grelhada no cume, sangra a dor
da inesperada melancolia. Dorida e cega.
XXXXV
Senhor, dá-lhe a fria azeitona no cérebro.
Dá-lhe a cinzenta e fria cebola dos dias.
XXXXVI
Da ordem escolhe o sabedor a linha reta
para o seu caminho, o desgraçado erra.
XXXXXVII
Se tudo o tempo engole, que me coma,
lentamente, até ao esquecimento total.
ÚLTIMAS 3 ANDORINHAS
XXXXVIII
Seca, a memória, cai sobre o corpo e rompe
a última e frágil esperança. Regressas viva.
XXXXIX
O pavão do jardim não mais cantou a voz
do poeta. Morreu no relâmpago do gemido.
XXXXX
E no esquecimento total reconheceremos
a dimensão da dor ambulante. Una.
31.05.18