3 Poemas de João Miguel Henriques
/São Martinho
leva-os pelo caminho do santo
pela vereda do peregrino
diz-lhes do viço e da ventura
do jugo e da longa jornada
assinala na terra ensopada
pegadas de porco e de cervo
e fá-los deslizar dedos por sebes
cabelos e pontas de dedos
por ramos e folhas de sebes
diante já do cotovelo
onde a estrada dobra para a floresta
fá-los reparar nesse estandarte
de são martinho, branco e amarelo
que um dia arranquei ao teu vestido
Hotel Sarajevo
tu devias-me uma tragédia
e eu fiz-ta pagar em incêndios
faculdade de direito
junto à estátua do cavalo
a polícia anda à nossa procura
e o dia ameaça a denúncia
as fronteiras estão todas fechadas
o povo exige a nossa cabeça
quero esconder-nos numa viela
na cave esconsa do taberneiro
mas não há ruas para o teu corpo
tu já sequer cabes no mundo
por isso pagaste a tragédia com fogo
ateado na ponta dos dedos
tudo isto, claro está, noutra cidade
que não a colónia massacrada
Letra
atenta, a letra
de lenta curva
já curvilínea
vem lembrar-me que existe
que ainda corre
e se apresenta:
abrigo para a ira do dia
salvação para a tormenta
João Miguel Henriques é um dos autores em destaque no mês de Fevereiro na Enfermaria 6. O seu perfil pode ser lido aqui.