Charles Bukowski, "Sossego"
/tradução de José Pedro Moreira
Sossego
sentado esta noite
diante desta
mesa
junto à
janela
a mulher está
de mau-humor
no
quarto
estes são os seus
dias especialmente
maus.
bem, eu tenho
os meus
portanto
em consideração
para com ela
a máquina de escrever
está
parada.
é estranho,
escrever isto
à
mão
lembra-me de
dias
passados
em que as coisas não
estavam
a correr bem
noutros
aspectos.
agora
o gato vem
visitar-
-me
refastela-se
debaixo da mesa
entre os meus
pés
estamos ambos
a derreter
no mesmo
fogo.
e, caro
gato, estamos ainda
a trabalhar no
poema
e alguns
observaram
que há um certo
“declínio”
aqui.
bem, aos 65
anos, eu posso
“declinar”
o que me apetecer, e ainda assim
dar
uma abada
a esses críticos
da treta.
Li Po sabia
o que fazer:
beber outra
garrafa e
enfrentar
as consequências.
volto-me para a minha
direita, vejo esta enorme
cabeça (reflectida na
janela) a chupar
um cigarro
e
sorrimos
um
ao outro.
então
volto
atrás
sento-me aqui
e
escrevo mais palavras neste
papel
não há nunca
a grandiosa
declaração
derradeira
e essa é o
engano
e o truque
que funciona
contra
nós
mas
gostava que pudessem ver
o meu
gato
ele tem uma
mancha
branca no
focinho
contra um
fundo
laranja-amarelado
e então
quando olho para cima
na direcção da
cozinha
vejo uma parte
clara
sob as luzes
do tecto
que se esbate
no escuro
cada vez mais
escuro até
não ver
mais
nada.
Charles Bukowski, You Get So Alone At Times That It Just Makes Sense, 1986