ANOTHER FUCKING READY-MADE e outros poemas

ANOTHER FUCKING READY-MADE*

 

Eu também faço
Ready-mades
sobretudo ao sábado
quando junto o Palmolive
(Shampoo vazio)
ao gel de banho (vazio)
e os enfio no lixo.
(Ah esqueci-me de nomear
a marca do gel. Valha-me
nosso Senhor Duchamp!) 

Tudo é ready-made
sobretudo ao sábado de manhã
quando encontro vomitado ao
lado de cervejas e garrafas de vinho.
Salve ó Baco!

 A culpa é da Fonte de Duchamp
que continua a pingar.
Por mais tela que se lhe enfie
ela continua a pingar.
Qualquer desgraçado Cu
rador essssstende uma gota
de Duchamp até ao infinito.
A culpa não é de Duchamp! 

Há quem diga que até este
poema é um ready-made
uma folha de papel higiénico
escrita num ápice. 

Eu não nego o ápice de lucidez!

 

*Título roubado a Maurizio Cattelan

  

BEAUX ART MAGAZINE

 

Warhol desejava 15 minutos de
fama para qualquer artista. Mas
15 minutos é hoje demasiado para
a Beaux Arts Magazine que resolveu
reduzir esse tempo para 2 minutos.
O que torna possível assim resumir
30 mil anos de Arte em 2 horas e
trinta minutos já com os 15 minutos
de intervalo muito bem inseridos. 

Warhol sabia que ser famoso era
ter tempo para calmamente fumar
o cigarro e mandar tudo o resto à fava
sobretudo a Beaux Arts Magazine.  

  

A GALERIA

Um cordão suspenso no meio da galeria.
Três folhas brancas coladas no vidro da montra.
Uma couve sobre uma caixa de papelão.
Um texto explicativo de 40 páginas com 25 citações. 

Originalidade Zero
Beleza ou Fealdade Zero
Anestesia 100% 

Sendo este curador pouco artista
dirá algo de interessante o seu texto? 

 

PO_ _ A

 

Complete o título se quiser.
Este é o quadro com números
do 1 ao 35.
Há que seguir as regras
pintar o amarelo no 6
pintar o verde no 9
pintar o laranja no 12.
Mas se não quiser não o faça
atire-me imediatamente para o lixo.
Não se importa o autor
nem mesmo este meu corpo. 

Entre quem quiser
se quiser
daqui não arredo o pé! 

Yeh… (assim baixinho)
Não use o preto dá-me arrepios
lembra-me a morte dos filhos
que nunca tive. Além disso e
talvez seja esta a razão principal
tenho medo do escuro! 

 

MUSEU

 

                           a José Pedro Moreira

 

HAPPINESS, HAPPINESS,
Saltando do vermelho para o
verde elétrico, o néon, virado para a rua,
apelava ao transeunte a entrar no Museu.
Será este o parque temático instalado
durante a noite?  
Recolhidas as mochilas, as crianças
eram livres de vaguear, como
peixinhos, pelas salas brancas.
No Olimpo, o silêncio é sempre
exigido, assim, uma velha senhora
de direita, desta nova direita e
do tempo da invenção da fotografia,
olhava, feita coruja, para toda aquela
“insubordinação”:
Xiuuuuuu!
E baixinho, para si mesma:
Que irritante! 

Deixadas as crianças pelas salas,
quase todas vazias, o pai
podia, finalmente, ligar o Tinder e
lavar os cansados e negros olhos.
Enquanto gritavam as crianças, para aflição
da velha coruja, o pobre pai ia sonhando
com uma mãe dedicada, boa na cama e
com uma pele lisa, rija e brilhante como
aquela escultura, ali ao fundo, de Koons.

Brilhante, sim, Brilhante.
Será pedir muito? 

de: “Lamarim” (2019)



 Jeff Koons - “Bailarina sentada”, 2011-2015.