Perspectivas do Desastre: quatro poemas

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1.

Chama-se gipsofila. Tem a delicadeza
das nuvens pequenas, voga num ramo alto
um tanto acima das jarras

 

2.

Ao pintar delicadamente
(a óleo sobre madeira)
um ramo de anémonas num copo de água,
Aurélia incluiu no quadro a pequena tesoura
que usara um pouco antes no jardim.
É um pormenor apenas,
uma breve tesoura de corte,
mas une o vidro, o vivo e a morte:
nas flores brancas e lilases faz fluir
o nosso frágil retrato

 

3.

Escrevem, desenham, fotografam
esculpem, filmam, tudo reinventam
e esperam que esses nados vivos
feitos de matéria morta (Wyndham Lewis
assim o disse) vivam para sempre. Mas
não têm conta os poemas desaparecidos
as canções esquecidas, as estátuas
apeadas, histórias desfeitas
pelo fogo e pela água,
casas destruídas
onde as chamas devoraram
o cerne das gavetas;

não têm conta as fotografias destingidas
o celulóide ardido, os dados apagados por engano
nos jogos de fortuna e acaso que nos regem,
às coisas vivas e mortas. 

Há nisto menos fracasso
do que seria de esperar. Gostávamos
de ter lido mais Safo, e todavia
tudo parece estar certo, mesmo assim.
Mais leve, pelo menos.

Um minuto de silêncio
por quantos na linha do tempo
se perderam
com todos os seus pertences;
e outro ainda, por até a linha do tempo
perdermos tantas vezes

4.

Ao largo, grandes massas de plástico
deslocam-se à tona de água. Diz
quem ali mergulhou
que os pedaços descoloridos de polietileno
entretecem
camadas sob camadas
e descem na água
em barreiras de grande espessura.

Agora, o que está em baixo não é igual ao
que está em cima

É ainda pior.