ENDEUSO-ME e outros poemas de igual calibre
/ “Peçam a grandiloquência a outros
Acho-a Hiperpulha no estado atual”
- depois de Assis Pacheco
“Melhor um pardal vivo do
que uma águia empalhada”
- Edward Fitzgerald
“O grande inimigo da Arte é o Bom Gosto”
- Marcel Duchamp
ENDEUSO-ME
“Afinal, o avião de papel era um
retrato de um ilustre; vincado
e atirado ao bidão do lixo.”
- Vítor Teves
“E só de bife vive o crítico”
- depois de JMFJ
Endeuso-me
de segunda a sexta-feira
com os olhos fechados. Bem fechados
como aquela minha gaveta cheia de
inesquecíveis memórias de papel
amigos e amigas gente ilustre
um mini cemitério de Dostoievksi
que rego manhã cego junto com as plantas.
E sentadinho aqui neste meu sofá
vejo a erva crescer lentamente
enquanto estico as pernas.
Hoje chegou-me a reforma
choruda como convém aos da minha geração
e assim de barriga cheia (com o tal bife) e pantufas fofas
vou sentar-me à secretária
e ao som do cravo de Bach
escrever frases sobre a Realidade.
A minha vai da página 1 à página 365
do jantar com a Ministra da Cultura
até ao jardim da Gulbenkian.
Dos jovens sinto repugnância!
Já não respeitam Ninguém. Nem um
nem dois Camões nem as minhas barbas brancas
ou a minha enrugada pele de árduo trabalho.
Eu do meu alto púlpito um Deus desrespeitado
vou dando voz aos outros inocentes e
renegados Deuses – uma espécie de ativismo
viril de sofá de couro!
E do outro lado das suas lentes
(esta frase não é um verso porque
não me apetece que seja verso)
estava aquele nascido nos 80.
Acordava às 6 e trabalhava feito cão
até às 21. Não tinha contrato de
trabalho Segurança Social Não recebia
pagos os Feriados ou a Alimentação.
Pagava um renda de 1000 com os
seus míseros 600 euros de salário.
Estudara sempre a trabalhar como
escravo e não tinha bom emprego
porque não tinha sobrenome de Deus.
Aos domingos vai limpar a praia
do lixo que a geração dos Deuses
deixou a secar depois da Orgia.
“Eu sou uma vítima neste poema”
Dizia o Deus sentado no sofá.
“Por causa deste poema não consegui
trocar as minhas pantufas de crocodilo
por umas de cobra senegalesa.”
A Realidade a Realidade. Que sabes tu
desta nova realidade ou da dor dos mais jovens
sentado no teu cadeirão de asseado Couro?
AULA DE ARTE GREGA
“E Aby Warburg coroava, no Hall
da biblioteca (cheio de teias de
aranhas) a suprema ironia”
V. T.
A Rui Maia
Se atravessares o rio Douro, verás a praça
de touros ou se preferires o labirinto sem
Minotauro; ou o palácio de malha vermelha
de Minos. Pátios e pátios num edifício que
já devia ter sido, há muito tempo, implodido.
Não existe um Minotauro, é verdade, mas uma
claque de narcisos olhando-se ao espelho dia
e noite, dia e noite, dia e noite. Entre as aulas de
falsa geometria, há, entre outras aulas de enorme
utilidade, a aula mais cobiçada: a de Arte grega.
Com imagens timbradas a rosa, verás toda a arte
Grega: o Discóbolo; a Amazona; o friso de Fídias e
todo o Altar de Pérgamo com raios de cinza e
verde claro. Reflexos de sol, aqui e ali, trarão ao
Porto a grande distância da cidade de Atenas.
“Como explicar o contraposto se não pelo desfile
em sala de aula? Assim será; pois, hoje trouxe o meu
calção rosa e a minha sandália de falso romano.”
E dizendo isso, desfilava entre as secretárias divididas:
raparigas feias de um lado, rapazes bonitos do outro.
“Já não estamos nas Monosobrancelhas da Meso-
potamia, como as do vosso colega; aquilo é falta de
pinça!” Dizia o nobre professor, criando na boca
do aluno a devia resposta: “O professor é que tem
falta de Piça e convites recusados para 18 valores.”
É claro que nada disso aconteceu ou acontece!
Nada disso acontece quando se ensina ou se
aprende Arte Grega; somos todos muito puros!
E sentado na fila das secretárias dos bonitos
rapazes, o ilustre professor sorria, falava muito,
esvoaça as mãos como se tentasse apanhar
alguma irritante mosca. Por vezes, fixava os
olhos, intensamente, sobre uma vítima, e
articulando palavras gregas, lambia, sensual-
mente, os lábios, para nojo de todos os rapazes.
O triunvirato gay da sala cochichava baixo, ria,
anotava todas as parvoíces, fazia desenhos nos
cadernos: piças, bocas, cus, penetrações em
cinco ou seis linhas. O Ricardo era o mestre
em fazer da boca do ilustre a cabra de Apolo.
Ríamos que nem perdidos; e a cada riso, o
nobre professor excitava-se e falava mais
alto como se fosse um opositor de Platão,
enquanto imaginava-se sentado no colo
hirto dos três alunos, sobretudo do loiro.
Sentados à secretária, rindo, desenhando,
fingindo não entender as flechas e bocas
de desejo, nós, os alunos, rapazes e jovens,
imaginávamos-lo cavalgando, feito louco,
sobre o frio e branco Fauno Adormecido.
E quando um transmitiu a visão ao todo,
o riso foi de tal ordem que nenhum Deus
nos ajudou quando fomos, para nossa
satisfação, expulsos da aula de Arte Grega!
Hoje, o nobre professor de Arte Grega dá
Crítica de Arte Contemporânea e tudo é
uma enorme chatice. Não há rabos e
peitos fortes, não há deuses e homens nus.
“O que é que isto? Digam lá! São só Rabiscos!”
E como “excelente” professor Acadêmico,
que sempre foi, daqueles que tiram qualquer
vontade de aprender, diz “Nada supera a
Arte Grega a doçura do Fauno Adormecido.”
DO ANEDÓTICO
Um letrado, um fazedor e um poeta entram
num bordel de putas com cursos superiores.
O primeiro, de óculos de massa preta, pede
uma menina com filosofia contemporânea
feita. “Se possível com a mais alta nota”. O
que quer é falar sobre Derrida e Deleuze.
O segundo, quase sem cabelos, pede uma
com ricos conhecimentos em História. Tudo
o que quer é buscar citações, aqui e acolá,
sobre o rir, o comer, o cagar e o foder, no
largo espectro temporal da vida na Europa.
O terceiro, o poeta, não pede nenhuma.
Veio ao Bordel para fazer companhia aos
seus amigos paneleiros, que ainda não
descobriram que o são. Trouxe-os para
que se sentissem constrangidos face à
beleza e conhecimento de tais putas. O
poeta não pede putas licenciadas, tudo
o que procura é unir dois pontos opostos:
os que não veem e os que só sentem!
A ANATOMIA DE UM INVEJOSO
Como a pulga entre os pelos de
um tigre observava em silêncio
com olhos gordos a rica história
do seu mais leal amigo.
Quando o vento soprou a poente
a tuba se abateu sobre ele e na
arrogância da imposição bateu
com os punhos sobre a mesa:
“Aqui não quero aquela cereja
pois o bolo é só MEU MEU MEU.
Eu é que sou o verdadeiro Presidente
da Junta dos Leitores de Poesia ao vivo!”
E como um desenho animado -
um vilão de uma curta metragem
sem qualquer estrela - abria a boca
cheia de dentes e ria ria muito alto
Como uma cascata imponente de
champanhe bela no início e tão
mísera e insignificante no final.
VENENOS FARPAS E PUS
Venenos Farpas Pus Feridas Cuspidelas
Ranhos Ódios Invejas Egos Palavrões
Perdigueiros ocos Snobismos Ratoeiras
Inflamações Unhadas Nervos Irritações
- tudo isto forma a Forma Pura da Arte.
Há o mundo Há o embrião Há o corpo
interior Demónios mordendo as paredes
do intestino grosso estômago e esófago
Há essa eterna força do aprender primeiro
para depois chegar ao núcleo da máquina.
Para no fim dizer em voz alta como é inútil
a máquina - aquela que todos idolatram.
A lucidez sozinha observa o pobre teatro.
Sempre foi assim e sempre será assim e
enquanto não chega o enorme meteorito
resta-nos implodir para o interior de nós
mesmos e como sempre fechar a janela.
Fauno Barberini/ “Fauno Adormecido”. Pormenor. Munique.