II CARTA A VIOLANTE DE CYSNEIROS OU O ANÚNCIO DO REGRESSO*
/“Ich habe genug”
BWV 82
Porto um de Agosto de dois mil e dezanove.
Querida Violante de Cyneiros escrevo-te
nova carta para te dar as novas deste lado.
Perdoe-me a minha raiva excessiva que na
minha pena exerci aquando da última carta.
Nada mais era do que amargura tristeza medo
e desprezo sentido pelos que me apedrejam.
Maldizer é sempre a fuga o lado mais fácil a
negação para o que tem de ser feito e não
mais adiado. É assim que te anuncio o meu
regresso. Virei a ampulheta e espero calmo
o tempo exato a última areia para voltar.
Quero sentar-me sobre as rochas cobertas
de algas e alinhavar como a uma bainha dois
ou três poemas que nada trarão de novo
à grande literatura mas que irritarão uns
quantos. Talvez um punhado de boa gente
com bom fundo que só pretende manter
viva a rima a métrica e o soneto como fosse
isso aquilo que nos irá salvar do fim certo.
Não sabem eles que é na pureza do gesto
da palavra da linha e sombra definidas que
a união ainda é possível ou que a origem
ainda é possível a mão na mão o olho no
olho. Quero o regresso Violante ao sol
abafado aos homens simples aos gestos
puros à amizade e sobretudo ao amor.
Levo Homero Dante Kavafis Jorge e o
imprescindível Prelúdio de Wordsworth
as palavras que me salvaram da morte.
Quero o tempo arrastado pela brisa do
mar o tédio dos domingos os sinos da
matriz batendo no meu peito e ouvidos.
E do alto da torre ver as brancas nuvens
que cobrirão os meus futuros lutos. Não
quero a soberba a inveja e o atrito pois
tudo o que procuro mais do que tudo é
o silêncio o silêncio até nas palavras. E
em verdade te digo querida Violante que
mais do que eu Barbara escreve-me esta
carta o Teves enquanto o Raúl Milhafre
dorme na sua cadeira de baloiço e palha.
Eu já cansada passo-lhe a caneta pois
estou calma demais para escrever, tomei
dois comprimidos para dormir. Vou-me e
deixo-te com ele mas antes deixa-me só
perguntar-lhe como boa senhora da ilha
“O menino é filho de quem?”. Escreva ele!
E assim deixo-a lentamente adormecer
sem que ela saiba que mais do que ela
sou eu quem aqui escrevo-te Violante.
Esta é a minha carta e talvez por isso
um tanto ou quanto mais sossegada.
Esta é a minha carta a o meu regresso!
Quero ser o búzio preto à beira do mar
a areia negra pisada pela criança que
corre e o sorriso na boca dos meus pais.
Regresso porque escolho o esquecimento
o marasmo das escamas do peixe no rosto
o silêncio azul das algas e o horizonte por
abrir. Regresso porque prefiro estar contigo!
Quem? Tu que sentado me lês desse lado.
Do teu pequeno João. O menino regressa!
*último poema de Barbara Stronger (1983-2019).
Nota: Todos os seus poemas, dispersos e inéditos, estarão reunidos em “Lazarus”, a sair, brevemente, pela Enfermaria 6.
Vítor Teves - “A Niké Negra”, 2019.