"TWOMBLY FALA SOBRE LEONARDO" e outros poemas sobre o fogo

TWOMBLY FALA SOBRE LEONARDO *

“Não saberão, os Homens, que é mais difícil

  copiar um sorriso do que um corpo; um

  Twombly do que um Rubens?”

                                   - Raúl Milhafre

 

Quando subi as escadas da

National Gallery e olhei para

a minha esquerda todas as

paredes do museu ruíram.

Aos pés de Maria do Amor

da Doçura eu era outra vez

menino e não sabia quem era.

Hoje sei o que sou. Sou uma leve

pedra aos pés de São João Uma

lágrima romana nos olhos de Leda

Uma vincada linha Uma curva

num ovo de cisne. E mais do que

tudo uma mancha de sangue nas

costas de um efebo adormecido.

E. P. TWOMBLY JR COPIANDO PICASSO

 

“Desire is not simple or Safe”

                         Joshua Rivkin

 

Este cabelo loiro enrolando-se

sedoso no interior fino deste

lápis diz carinhosamente que sim.

Os teus olhos Thérèse inocentes

perscrutam o meu templo Absoluto

um templo recuperado de Apolo

no meio do ardente deserto.

 

E é aqui que tu dizes vinda

do alto “Dá-me a tua chave

da vitória” enquanto cai sobre

mim o ouro e a pena de Zeus -a que

anuncia o passado transposto.

 

Tão pequeninos olhos cinzelavam a

minúcia do desenho e estendiam

a captação impossível da emoção.

 

Quando dois astros se cruzam

numa explosão galáctica para

que serve um raio num papel?

PANDATERIA

“I’m totally unprepared so i must

    compose as i singing”

        - Peter Ustinov as Nero

Aquela mulher que fui já não mora aqui!

As minhas sandálias gastou-as a terra e

já não tenho outra esperança senão

aquela que sei que virá: um afiado e

seco gume de uma espada entrando

no meu macio e esguio pescoço. Não

não mais evito o meu triste destino.

Com o lenço ensanguentado da minha

pobre mãe vítima dos homens e do

 

poder eu Octavia dou-me por fim

vencida. Mas antes que o frio metal

 

me fure a garganta quero no meu

triste leito de espera praguejar

mil pragas àquele que em tempos

foi meu marido: “Que a força quente

do fogo sob a sua lira seja o raio

inevitavelmente certeiro sobre

os seus virados trinta Anos!”

                                               

                                         TOCHA

Desespero

                    Arrependimento

                                                    Ternura

é tudo e é pouco o que sinto por ti.

              Todo o bem que poderia ter existido

  não existe. E é o não ter acontecido

que nos prende essa possibilidade

          paralela daquilo que nunca aconteceu

   ou acontecerá. E dada a distância da

abertura do arco solar das plantas do

meu jardim de flores a escolha foi a certa.

 

É na ternura deste Fim de poema que

                                          todo e qualquer elo

                          entre a minha memória e a tua pele

                                        se esgota e se apaga.

                                             Para com ele

                                                    fazer a

                                                     tocha

                                                       do

                                                      fogo

                                                      que

                                                       se

                                                    apagou.

*Poema de “O Nardo” (2020)

Cy Twombly (1921-2011) Petals of fire  dét. (1989.jpg

Cy Twombly - “Pétalas do Fogo” (pormenor), 1989.