DA ERUDIÇÃO e outros poemas

“o máximo de violência num mínimo de retórica”

António Osório

         DA ERUDIÇÃO

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                                   (Coloque aqui a sua epígrafe!)


Segundo uma crítica literária

uma senhora com dois seios

e muita base cor de cenoura

na cara a jovem poesia sofre

de um grave problema: um

excesso de citações explícitas

num corpo sem grande trata

mento literário. Ou seja um

lenço Louis Vuitton numa

cara sem base cor de cenoura.

O ponto da discussão deve

centrar-se no que entende

a senhora crítica por erudição

ou o que é para si a poesia.

Ora poesia para a senhora L&V

tem de ser a língua mastigada e

enrolada vezes sem conta! -  o

mesmo é dizer altos exercícios

de regurgitação cópia e repetição

de antigos e velhos modelos que

ninguém consegue já entender.


E levanta a questão o poeta:

Como usar a erudição sem cair

nos jogos telúricos e ocos?

Simples! Alternando espinhas de

peixe e duas ou três pinceladas

de viva e intensa cor.

Falta sim à senhora crítica

a capacidade de ver que os

novos poetas (esses banais

jovens poetas!) estão mais

interessados em explorar

novos trios do que repetir a

velhas e cansativas retóricas.


Isto é um poema? Pergunta

a senhora com lenço L &V

e com três camadas de base.

Sim é um poema. Porquê?

Porque assim o digo e quero.


   UMA PINCELADA DE TORONI


Numa tela de sete metros e quarenta e cinco

centímetros existem seis pinceladas de forma

quadrangular sobre uma superfície de tela nua.

Dedicar-me-ia a todas se tivesse o devido

tempo e força necessária para debruçar-me

sobre elas assim vou concentrar-me apenas

na terceira a primeira da segunda fila que não

existe. A sua forma não é a de um quadrado

 perfeito e no entanto podemos falar de um

quadrado onde são visíveis as impressões do

pincel uma espécie de arranhar de unhas.

Entre esta primeira pincelada da segunda fila

importa a distância exata com a segunda da

segunda fila que não existe. Há entre as

duas um preciso espaço de dois metros e

quarenta e sete centímetros. É precisamente

esta pincelada que aqui aponto neste poema

que apenas aponta a existência de uma mera

pincelada numa superfície nua. Cada verso pode

ser entendido como o tempo dispensado a

observar a pincelada escolhida no espaço vazio

da tela no espaço vazio da sala no espaço vazio

do museu. Importa verificar que este quadrado

não é perfeito como a respetiva pincelada.  

Importa também dizer que este é o poema da

pincelada escolhida e que dentro dele está

tudo aquilo que não vou dizer porque assim

exige a pincelada que escolhi na fila que não

existe. Na  p    i     n     c     e     l     a     d    a

esta pincelada corresponde à letra n – n de

nada a acrescentar a não ser apontar que

a pincelada existe e está aqui neste poema.


E por mais que seja irritante ela está e não

está aqui neste poema que fala de uma

pincelada marcada apontada numa tela

vazia de sete metros e quarenta e cinco

centímetros. É este simples apontar que

cria a pincelada o quadro o poema esta

nossa pequena vida. Importa para finalizar

apontar que esta tela não existe no museu.

E no entanto mesmo sem querer ela existe

    em toda e qualquer obra de Toroni.



ALL-OVER  1948


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   NOMIT

Quando o mundo

te vira

as costas

ut

viras as costas

ao mundo

OSCILAÇÃO

Quando tudo oscila

entre Verdade e Negação

este poema

fixa

.

Fixa a ideia

do espelho imóvel

no ponto que se abre

ao velho e longo tempo

Outrora impossível este é o

ponto da fissura

fixa

.

E

no fixo leve

segundo ponto a

porta intermitente cinge

para dentro do seu peso

dando ao paralelo tempo

nova chave nova

esperança


A NOVA REVISTA DE POESIA

(I don't need your sympathy – Cher)

A chuva da crise económica foi tão

intensa que aqui estão todas elas fortes

crescendo como ervas daninhas na vasta

planície da futura e “inesquecível” literatura.

Na segunda-feira

Dona Olga

(que nunca vi mais gorda)

veio pelo facebook pedir-me

cinco poemas inéditos para analisar e talvez

(se assim o achasse)                           publicar na sua revista

          de papel reciclado e                           com duas andorinhas de

       muito mau gosto na                        capa. Parei. Pensei cinco

minutos e como sou muito boa pessoa (apesar

desta língua de chicote) enviei os cinco poemas.

Mas

 (e aqui é que está a melhor parte)

os cinco

piores que tinha meios inacabados apontados

(gosto imenso da palavra apontado há nela genuíno pulso).

E assim safei-me de ser na dita revista publicado.

A tão estimada

revista que traz

todos os grandiosos nomes da Nova Poesia – os

que vão da receção da Quinta à recolha dos bonés

no pátio principal do velho castelo do beija-mão.

Que se multipliquem

 como ratos

 mas

que as velhas braguilhas e florzinhas de salão não

me venham chatear a minha já de si cansada tola.

Por isso minhas

queridas

florzinhas de plástico de decadente salão aristocrata

eis a vossa custódia de ouro para o culto glorioso do vosso Ler.

Lisboa-Museu_Nacional_de_Arte_Antiga-Custódia_da_Bemposta-20140917.jpg

 Custódia de Bemposta, MNAA, Lisboa.