CONTEIRAS #1 e outros poemas de Regresso
/“com o Minotauro,/ sob o olhar de deuses sem vergonha”
- Jorge de Sena
ao conselho ciêntifico de leitura insular
CONTEIRA #1
Ribeira Grande.
Norte de S. Miguel.
Ano da “desgraça” de 2020.
Em 2005 andavam a tentar perceber
se os guéridons de Picasso eram cubistas
modernos ou neoclássicos
mas hoje em 2020
usam frequentemente nas suas frases
as palavras Contemporânea e Performance.
Palavras que apontam para uma
tripla
salvação:
a chegada tardia ao século XXI – que na realidade
está por ser comprida.
o alargamento do ego – da média e da alta elite uma
leve mistura de sabão e idiotice.
o apagamento do sentido de inferioridade para com
os que regressam – essa cambada! (they say)
Sempre achei esses saltos demasiado ocos.
Sem nenhuma consistência.
E é tão fácil encontrar a ferida.
Dona Olga e o Mestre das regras pensava que eu ia regressar à ilha
para lhes passar a mão pela cona e blica peluda ou
lamber-lhes o cu.
Pessoa fez da sua vida uma arca infinita.
APONTAMENTO ZOMBIE 0.1
Quando os cordeiros são convidados
para a real festa eles no alto do seu
plinto (julgam eles) fazem birra e
aproveitam a situação para medir
forças ou simplesmente para atirar
tartes de pouca cobertura à face da
generosidade.
Entre leituras literais e gotas de ar puro
julgam-se nos pináculos superiores das
belas montanhas.
Mas quantos degraus abaixo estão
efetivamente?
MÉTRICA SUÍNA
Este “esbelto” exemplar escreve
romances de longas lombadas
revestidas sempre com altas
cores venenosas Rosas elétrico
e aos fins-de-semana longe das
festas brancas da Vila Nobre
poemas (ai que me engasgo)
de alta e delicada métrica.
Nunca a palavra “métrica”
apareceu tão suja!
DEPOIMENTO DE ULISSES
“temo pelos leitores e já me
tremem as velhas pernas”
- Raul Milhafre
Regressar é finalmente pisar o paraíso
e de igual modo ou certo modo é pisar
o próprio chão batido do inferno. São
poucas as dúvidas que tenho sobre
isso. Nunca me poderão acusar nem
de cegueira nem de falta de lucidez.
Dizem que esta forma de escrita (um
rio) é sinal de pouca leitura e um
inconsistente estudo poético. Muitas
coisas dizem da boca para fora. Bom
é estender ao sol altos vocábulos da
literatura do século XVII pois há que
marcar a diferença manter a falhada
de Grandes Homens de Letras e bem
sabemos o que isso na prática quer
dizer. Volto à terra dos homens e das
mulheres simples os que usam o corpo
e a língua para nela morrer de dor. E
dos inversos espelhos (esses baços
espelhos) estarei como sempre estive
bem longe. Tenho mortos suficientes.
NECROMANTES
a Vítor Teves
Os necromantes das ilhas já
fazem rezas figas e mezinhas - um
pé de galinha preta três folhas de louro
alecrim sangue da palma que escreve e
três pentelhos - para a tua futura expulsão.
E as crianças sentadas fazendo birra
esperam pelo espetáculo do azar para
sozinhas chegarem ao título de Bispo.
de Barbara Stronger
04.09.2018
(caixa de sapatos rosa)
Yoko Ono - Imagine peace map, 2003-2020