Elogio da Incerteza
/Contra o pensamento dogmático, a tirania dos estereótipos, sugiro a audácia da incerteza. Por exemplo, Roland Barthes à linguagem massiva, a da ideologia, opôs uma linguagem modelada pelo discurso amoroso, simultaneamente declarativa, hesitante e fragmentada. Da linguagem ideológica, compacta, imperativa, estéril, doentia, preenchia de utopias vingadoras, teve Barthes consciência numa viagem à China comunista, momento em que conjurou a sua visão marxista-leninista da década de 50. Na de 70 dirá: “Eu quero viver segundo a nuance” (Je veux vivre selon la nuance), daí o apreço superior pela literatura, “mestre das nuances”, guardiã da pluralidade, oposta às simplificações, sectarismos ou maniqueísmos.
Seguindo esta visão – ética e funcional – do mundo, sonho com um discurso que não se imponha e, ao mesmo tempo, seja capaz de dissipar a linguagem ideológica, essa cartilha feita de dogmas que muitos companheiros, às vezes com estranho prazer, ainda seguem (é fácil, para os menos inquietos, viver segundo sentidos pré-definidos, embriagados pelas próprias crenças). Uma linguagem arrogante, que Barthes definia assim: “Reúno sob o nome de arrogância todos os ‘gestos’ (de palavra) que constituem discursos de intimidação, de sujeição, de dominação, de asserção, de soberba”. (Curso no Collège de France, de 20 de Maio de 1978, sobre Le Neutre)
O mundo ficará muito melhor quando, como queria Albert Camus na Peste, soubermos conciliar indignação e lucidez. Mas aceitarmos também, sem fingimentos ou concursos de tolerância para inglês ver, que “A civilização europeia é antes de mais uma civilização pluralista”. (Camus, conferência em Atenas, 26 de Abril de 1955) Princípio que permite preservar a multiplicidade das opiniões contra a dominação de uma verdade única (que só pode ser impostora). E com isto também se pode descobrir, e praticar, uma certa decência ética, que Camus resumia assim: “Em nenhum caso insulto os que não estão comigo. É a minha única originalidade.” (Dialogue pour le dialogue, 1949)
Pratique-se a vertigem horizontal da linguagem (foi assim que Jean Genet chamou à linguagem de Jacques Derrida), usando todas as nuances possíveis, aceite-se a incerteza, hesite-se o mais que se puder. Tenha-se altura de onde se possa cair, os dogmáticos são sempre rasteiros (mas sem profundidade).