Abaixo de Inferno - Haikus
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Mesmo longe
tenho tudo
comigo.
Somos um eco grotesco
da criança
que fomos.
Trazido de sonhos
adolescentes
aquele vestido branco.
Mais um cabelo cai –
que recordação
se esqueceu?
Há quantos anos
dura
este outono?
Há meses este nevoeiro
este silêncio
lento que asfixia.
A luz fria das lanternas
na tarde escura –
Novembro.
A parede vazia espera
os passos
que não se deram.
Da árvore nua
nada cai
só o cinzento permanece.
Suspenso no céu
um silêncio
de chumbo.
O poema veio
do sonho
que veio do poema.
Dois planetas se alinham
no céu
a mesma bruma.
No céu encoberto
dois planetas
se alinham.
Sem grandes esperanças
engulo o chá verde
já morno.
Vindo de Quioto
o chá verde
aquece-me o inverno.
Há quanto tempo
não olho a Lua
sobre as árvores nuas.
Como uma mulher
que nos amou
o Sol encoberto.
Roupa estendida
à geada –
amanhece.
Esta aldeia é apenas
distancia incerta
e saudades.
Olha a árvore de plástico
como uma lareira
distante.
Como pode acabar o ano
se ninguém
acender a grande fogueira?
Aproximo-me do poço gelado
apenas o silêncio
salta.
Desenterrar o passado
para ir aguentando
o longo inverno.
Respirar fundo
o silêncio da rua –
noite de Dezembro.
Demora em cair a neve
cada pensamento
pesado e cinzento.
Numa mesa silenciosa
arrefecem
vários pratos de arroz doce.
Enterrada no musgo
uma bota de pele
calcinada.
Quando regressar
quem saberá ainda
o meu nome de infância?
Quanto terá subido
o rio da minha terra
este ano?
Esfrego a sertã
e já digiro
a carne que aqueceu.
Na sertã que esfrego
a gordura da carne
que já digeri.
Muda-se a água
ao bacalhau –
a mesma distância.
Em cima do tanque
abandonado
vasos floridos.
Começou o ano
o champanhe
já quente.
A neve que caiu
derreteu –
continua a nevar.
Chuva batendo na lona
numa noite quente –
a tua pele.
Primeira cerveja
numa tarde de verão –
a sede dos teus lábios.
O teu reflexo no espelho
distantes lábios
que me engoliam.
Engulo o chá
quente
acabo o poema.
Num canto do parque
vazio
a neve permanece.
Veste-se de branco
a nudez
crescem os dias.
Acabo o livro
e dou-me conta
do silêncio.
Sobre figos podres
voam
as vespas.
Primeiro assassinam-te
depois enterram-te
como um herói.
Duas lágrimas nos olhos
duas lágrimas baratas
um herói.
A gaivota pigarreira
o verão existe
ainda no gelo.
Que esperas
barco perdido
do abandono de deus.
Dado com pena
o whisky
sabe a piedade.
Os deuses percebem
tudo o que seja
do interesse do rei.
Os pêlos multiplicam-se
os anos encolhem
somos nós.
Sonhar um hospital
impossível –
acordas para ir trabalhar.
Chupa-me os pentelhos
do cu amor
dos dias frios.
Os filhos de um rei
morto –
acordar de mãos vazias.
Se calhar amanhã
o médico dirá –
palavras contadas.
Na incerteza
vives tanto
quanto nas palavras.
Whisky barato
dado com amizade –
noites brancas.
Deus o silêncio
e o vazio –
um barco à deriva.
Estas palavras
tão vazias
quanto o futuro.
No glorioso topo
de um monte –
que fiz realmente da vida?
Há sempre uma loira
e um cesto da fruta
no desespero.
Na parede
uma onda diferente –
a mesma água.
Engraçado o vazio
enquanto abraças
a noite.
Quem me chorará
quando os dentes
ainda arreganharem?
Na fogueira que se extingue
dois homens
falam de amor.
Sentes a chuva
nos dedos –
acordas.
Sinto nos ossos
o fim –
abracem o destino.
Deixa o estômago
morrer antes
do fim do desespero.
Inspira e expira
barcos
naufragam.
Cobre-se o coração
de terra –
dia mais escuro.
Será o próximo
passo
o último?
Será sempre
último
o próximo passo.
Só os vivos
se despedem –
neva.
A tinta acabou
tantas páginas
em branco.
Que cansaço
nos escreve
os destinos?
As lágrimas
a carne
tudo a terra engole.
Porque cai
a fruta
antes de amadurecer?
Essa companhia
e prisão eterna –
a madeira.
Regressar
ao mesmo vazio –
pôr do Sol de inverno.
Fecho os olhos –
terra húmida e fria
no olhar do meu irmão.
“Deixa os mortos
em paz” –
diz minha mãe.
Que palavras capazes
realmente
de salvar?
Enchem-se as ruas
de silêncio gelado –
enterraram o meu amigo.
Brancas as ruas
como o silêncio
que bate.
Apagas a luz
e sais –
fica o silêncio.
Oferecer apenas
a beleza inútil
do poema.
A neve iluminada
pelo Sol sorri –
vinte e dois graus negativos.
Impossível de calar
este silêncio –
tarde gelada.
No poste da bandeira
bate a corda
gelada.
Apesar do frio gelado
corre a água
no ribeiro.
Primavera no cemitério
cresce a erva
nas campas.
Dezembro 2020 – Janeiro 2021