3- de peito aberto à volúpia inextrincável do mundo
/de peito aberto à volúpia inextrincável do mundo
sei que em cada navio há como que
uma concreção da margem idealizada
uma terra diabólica com odor apenas a mato
e os mais belos exemplares da raça
com a cara esculpida pelo vício
sentindo o sol
a incendiar as résteas do sal marítimo na pele
como que
engendrando pequenas revoluções
cravando a raíz
- não olhando ao sangue sofrido das mães -
nos amantes enebriados
euforia necessária ao lavor da máquina
terra subitamente desocupada
atraindo sobre si
a fúria colonizadora das plantas
digo
da palpitação dos corações produtivos
com mãos cheias de petróleo e Roma
digo
homens-palavra
afinando o negócio das estações
sei também que
não fui o único que ao olhar o céu
descobriu nos seus lençóis
o perfume quotidiano de Ítaca
não
dos seus pródigos versadores do medo
nem tão pouco
dos seus atletas da fecundação
numa história calibrada pela faca
e pelo ciúme jupiteriano
com qualquer manifestação de alteridade
mas
a menstruação abandonada ao descuido no níveo chão
os cabelos amarfanhados no escroto ou no anûs
de uma criatura inexplicavelmente luminosa e anesténica
com mãos sibilosas sobre o barro
carregando cântaros
tomando a si os néscios
e que aí
- ó único deus vivo -
juramos ter por nossa companheira
uma louca desventura pelos pântanos das cidades selvagens
trazendo em nosso peito
feras sem dentes
devolvendo-as saudosos às fábricas
com longas saudações orgulhosas
e promessas de Abril
era da palpitação
do elétrico 28
carregando turistas
às zonas perigosas da cidade
como que
cuidados de primeiro socorros
para suicidas em estado de iminência
que falava
e sobre à margem do rio
afoguei-me nos seus choros lúcidos
enquanto gritavam de prazer
a cada marretada que levavam da maca
dançando com a sofreguidão das ambulâncias
gritando de adrenalina a cada curva
em frente do paternalismo do enfermeiro
ou dir-se-ia
de Cristo
o único suicida que percebeu a sua santidade por se suicidar
mas que nunca
diga-se
abonou propriamente para o lado da lucidez
tendo-se dado ao desprezo de ser lembrado
como um mero porta-voz de uma ideia que não entendia muito bem
e que por isso
diga-se também de passagem
não foi propriamente pródigo a fazer com que a entendessem
nada fez de relevante para acabar com
o roubo do cobre nos fios dos elétricos
motivados pela malta que
podendo
preferiu não acreditar muito nas propriedades místicas da fome
mas
nada disto
deve
ser entendido como uma maçã retirada de um outro Jardim
continuamos
neste pequeno aquário de província veraniana
que afinal todos habitamos
nossa é a merda que comemos
todos os dias
em todos os desembarques
a histeria é apenas um curto-circuito.