Siroco: um poema de Jorie Graham
/Jorie Graham
”Sirocco,” de Erosion, 1983
Traduzido por Tatiana Faia
Em Roma, no número 26
da Piazza di Spagna,
ao fundo de um longo
lance de
escadas, estão os quartos
alugados a Keats
em 1820,
onde ele morreu. Agora
podes visitá-los,
o pequeno terraço,
o quarto. Os pedaços
de papel
em que ele escreveu
versos
são guardados atrás de vidro,
alguns amarelecendo,
alguns fotocopiados ou
mimeografados...
Fora da sua janela
podes ouvir o siroco
trabalhando
o invisível.
Cada folha seca de hera
é tocada,
retocada. Quem é o
o espírito nervoso
deste mundo
que tem de rever uma vez e outra
aquilo que já sabe,
o que é tão quente e seco
que olha através de nós
por nós,
para uma resposta?
No porto,
no terraço
as rígidas formas
helénicas
das uvas surgiram.
Hão-de amolecer
até serem fracas o suficente
para penetrar
este mundo, traduzindo
desamparadamente
do belo
ao verdadeiro...
Qualquer que seja o espírito,
a densidade das uvas
é parte do seu modo de olhar,
e as mãos lentas
que fizeram esta máscara
de Keats
na sua outra vida,
e a velha mulher,
a guardiã
do memorial
sentada no alpendre
abaixo do porto
a separar o grão
de entre os seixos
lançando-os à sua caçarola
de ferro forjado
Vê o que as mãos dela
sabem –
são o seu hálito
a sua língua-
-mãe, dividindo
descartando,
Há uma luz brincando
sobre as folhas,
sobre o seu rosto,
tornando-a
abstracta, tornando-a
rápida
e estranha. Mas ela
não se preocupa
com o que a mancha
mudando-a,
ela está
a fazer o seu trabalho. Oh como queremos
ser levados
e mudados,
ser emendados
pelas coisas em que entramos.
É assim também
com o mundo?
Deseja ele que nós
o emendemos,
luz e escuridão,
verde
e carne? Será
livre então?
Penso que o mundo
é um elemento
desesperado. Se pudesse
deixar-nos-ia acalmá-lo,
recebê-lo. Por isso eis
o que tenho
de te pedir
que imagines: vento;
o momento em que
o vento
se acalma; e as uvas,
que nada são,
que brotam
nas tuas mãos.