(projeto secreto melão) 


começamos por aqui: (gesto facial de rato) me sinto na obrigação de avisar que isso não será fácil e nem bonito. (abrindo a maleta) peço que notem meus gestos, sempre o extremo dos dedos e não a boca (aponta a boca). agora sim (mão na orelha) (espera o jingle) (e vem o jingle), a exposição do sudário de um tolo, ao contrário do sudário de um mártir, é azucrinante e bastante jocoso. ao final, todos serão convidados a rir. esperem o final. (toma água) o ser humano ainda se mostra incapaz de rir, falar e ouvir ao mesmo tempo, pelo menos de modo a ser compreendido e compreender. aí uma chave (ato de chave) (o gesto de chave é bem diferente do ato de chave): o tolo não quer, não depende de compreensão. seu feitos, seus trejeitos, seus desmazelos, seus dentes nas traves da vida não são para entendedores. podemos repetir para o valor se manter: nem o tolo e nem seu sudário precisam ou desejam compreensão (gesto de chave). como tola, posso confirmar isso e aí temos mais peso no valor. não que minha tolice faça alguma diferença, mas faz, simplesmente faz (ombros) (ombros, ombros). uma maçã mordida junto de outras maçãs mordidas, quero dizer, nós, os tolos, compreendemos e somos contra a validação do dito (caricatura de gente culta) “uma maçã podre em saco de maçãs boas”. não está direito e o julgamento foi feito (ato de martelo). convém lembrar que nenhuma fruta é inteiramente boa, humildemente sacana ou uma vadia sem princípios. dessa forma o correto é que uma maçã podre ou mordida, oxidada, valei-me! (muhammad ali) (?), uma maçã oxidada não oxida frutas frescas, valei-me! (?) (muhammad ali), frescas! (muhammad ali) (!), contudo, vive bem num saco ou cesta com outras maçãs mordidas, oxidadas. o que quero dizer é que não somos contaminantes da tolice. somos a própria tolice (espera pelo jingle) (silêncio) (o tolo no backstage não solta o jingle) (é um tolo), quando em bando ou em solo de saxofone de bambú, que belo exemplo, muito obrigada, mereço reverências (reverências ao lugar vazio) (vai ao lugar vazio receber as reverências), por puro exemplo (ombros, ombros). um experimento recente nos mostra que um bando de tolos, cada tolo num ponto extremo de uma multidão, não que o tolo seja extremista, cada um de seu ponto e com um pouco de força espremendo as próprias mãos e olhos (mímica), é capaz de ficar feliz com qualquer resultado. com a risada de um senhor ou com a empáfia de uma mocinha gótica (mímica), com o apagar das luzes ou com o tilintar e então o craquelar e então e por fim corridão sem a vírgula do fôlego, com o rompimento de um hidrante (mímica). no caso do hidrante é possível que algumas crianças e advogados tenham seus momentos de tolice, coisa de dez ou quinze minutos, não mais. logo, para fins etnográficos, podemos dizer que a tolice não é contagiosa em seu estado crônico, talvez um tostão em seu estado cômico breve, ou seja, ninguém está livre de ter uma porção de seu dia tomada pela tolice. nem o tolo está livre de se tornar ainda mais tolo, como é o caso do engenheiro chefe dos caralhos voadores do senhor sonso ou do último membro de uma fila de operários embaladores de bergamotas descascadas que, aliás, passam todos os meses por testes terríveis, (afina a voz) coisa de luzes e de fumaça almiscarada. (engrossa a voz) e tudo para quê? (afina a voz) para que a tranquilidade dos não tolos esteja cada dia mais firme e radiante. (voz normalizada) (nem fina e nem grossa) em verdade, nós, os tolos, gostaríamos muito de parabenizar os não tolos e desejamos oferecer à categoria (roda o braço onze vezes e meia) esses pequenos elegantes troféus muito aliciantes, talhados em grande fruta suculenta, aí está (muitos tolos no palco) (tolos para todos os lados), ergam as cortinas, aí estão as corujas muito nada tolas de melão! nossas congratulações, lágrimas e moscas (mímica)! fim. (gesto largo e propositalmente bruto, brusco, repentino, entrecortado com os braços) (zas, zas) podem rir. (fechando a maleta) podem também, por favor, não que exista uma dívida de favores entre tolos e não tolos, mas existe, é fato (gesto e ato de imitar dinheiro), podem apanhar seus exemplares e limpar o chão. tolos, sim! não a ponto de passar pano para não tolos (mãos nas orelhas) (os tolos esperam o jingle final) (entre os tolos, o tolo operador da mesa de som).