3 Poemas sobre pouco ou nada

 

Batatas Cozidas com Casca

 

Depois do trabalho, gosto de sentir o ar gelado

No meu rosto ainda quente, na vizinhança,

Alguém coze batatas, com casca, aquele cheiro,

Aconchegante nos quinze graus negativos,

Leva-me a casa, à casa de verdade, lembra-me

De um filme húngaro, uma ventania a preto e branco,

Do colapso de Nietzsche, batatas cozidas com casca,

A simplicidade dura e reconfortante de estar vivo,

Num dia que acaba frio e vazio, como se a eternidade

A inercia afiada deste silêncio sem vento, na periferia

De uma cidade cada vez mais estrangeira,

Quem me dera regressar a casa e ter, ao menos,

A certeza de uma panela de batatas cozidas com casca.

 

Turku

05.01.2023

Merda de Cão

 

A caminho do centro da cidade, em frente a um restaurante indiano,

Um homem arranca dum bolso um saco de plástico,

Que com grande dificuldade de luvas, tenta abrir,

Ao seu lado, um cão felpudo olha para um grupo de cagalhões

No passeio, com ar de alívio e vergonha, o saco que não quer abrir

Em direção à merda canina e a na cara do homem uma frustração gelada,

Ali mesmo, eu e a poesia, o ridículo no seu esplendor,

Eu o cão e o homem, os meus dedos naquelas luvas,

O saco que não quer abrir e a merda ali, fresca, à vista

Do mundo e das narinas mais perspicazes e sensíveis, toda a

Inspiração possível ali, à espera que eu a apanhe e a amasse

Num poema, lhe dê uma forma qualquer, eu apenas aliviado

E envergonhado pelo producto resultante de tal necessidade,

Nunca fui afinal poeta, muitos tinham razão, andei apenas a passear

Um cão que viveu dentro de mim todos estes anos,

Agora alimento-o a vinho e solidão, caga pouco e ladra menos,

Durmo melhor à noite e quando acordo, não me interessa sequer

Se o saco não se quer abrir na inabilidade dos dedos gelados.

 

28.01.2023

Turku

 

Exercício de Nojo 

 

O asco de mais um dia vazio caminhando em direção a nada, 

Queimar o tempo como se tira um cabelo do ombro de alguém, 

Esperar numa queda constante que ao menos sol e nem a neve pega, 

Como o desejo que subitamente desaparece e não se sabe sequer 

De onde nasceu, a casa vazia, a bênção amaldiçoada do silêncio 

E da solidão, maior asco o de escrever um poema como os dois dedos 

Em pinça que pegam no tal cabelo, quando a vontade era de morder 

O corpo todo com a força de todas as ausências que crescem no futuro. 

 

05.02.2023 

Turku