Mais 3 sobre pouco ou nada
/À Espera no Mecânico
Timidamente, com a voz cansada dos últimos anos,
Pergunta se lhe querem também comprar os pneus do carro,
Pois sabe, amanhã acaba a validade da minha carta,
O jovem não percebe à primeira, então num esforço
Ainda maior, repete, que depois de amanhã,
Não poderá conduzir mais, quase humilhado,
Um elefante que caminha em direção ao isolamento
Do cemitério, longe da sociedade activa,
Humilhado pela proximidade da inevitabilidade,
Antes desta se concretizar, um fim anunciado,
Viver além do prazo de vencimento ou da utilidade,
Ao que o jovem responde que não, não se apercebendo
Que o interesse era ele tornar-se testemunha também,
Daquele fim, daquela data que o afastará mais da vida.
30.03.2023
Turku
Aquele Bolo com um Compal
Não sei medir a felicidade plebeia de atravessar aquela ponte
Sobre altura e nada, em direção a casa dela, a mulher mais exótica
Da vila, modelo na Coreia, meia galega, neta da minha vizinha,
Alta como um sonho quase possível, um bolo e um Compal
Que ela pagou num café quase vazio, que interessa saber tocar
Chopin num desafinado piano herdado dum apelido
Menos comum e um antepassado que em vez de caçador
De javalis e bebedor de vinho xistoso, o descobridor dum calhau
Vazio no meio do medo e da incerteza, viver sem medir apelidos,
Peças de música imortais, todos os clássicos que não se leram,
Um bolo e um Compal depois do trabalho da meia galega,
Antes de nos fecharmos naquele quarto alugado às escuras,
Para cá do Marão, desenrolando suspiros e gemidos,
Desvendando espasmos e dilatações com o espanto da juventude,
Até adormecermos ao som de um cantor Pop, longe das ondas
E deste corpo que hoje arrasta a tinta pela página fora,
Como se fosse tempo, tentando apanhar ao menos
Um momento, uma migalha daquele bolo com um Compal.
Turku
27.03.2023
Tons de Branco Sujo
Aonde me levam as insónias nesta Primavera
Que não se deixa vir, a caminho de sua casa
Na festa da vila no Verão e as calças brancas
De joelhos na terra no Largo da Feira
E num gorgolejo de cerveja e música pimba,
Venho-me sem glória, com uma pressa de matraquilhos,
Este corpo que agora tão estranho àquele
Que dentro do teu, nesta Primavera coberta
Duma insónia fria e branca como o esquecimento.
Turku
29.03.2023