PLANOS SEQUÊNCIA 1

Oppenheimer: Emily Blunt e Cillian murphy

1. Nos primeiros planos de OPPENHEIMER, durante o interrogatório do físico nuclear (Cillian Murphy, o Scarecrow dos BATMAN de Nolan), vê-se ao fundo uma figura feminina (que depois saberemos ser a mulher, Kitty /Emily Blunt/) numa imagem de início um pouco brumosa (o que acentua carácter esborratado das cores - caso do baton vermelho) que faz raccord com a espiral de fumo que se vê no canto esquerdo do plano. Para nós, este devia ser o caminho do filme, o das mulheres (Katherine mas também Jean /Florence Pugh/, a amante comunista de Oppie): é por elas, nas cenas em que entram (nomeadamente as de sexo com Jean) que passa a corrente subterrânea, de retorno dos vários recalcados (sexual e político), do filme. Elas constituem a sua linha de lucidez (verdade) e dissidência. 2. Claro que a via de Nolan- e isto desde o 1º filme, FOLLOWING (1998) - é outra, mais sôfrega, obsessiva, de acordo com uma batida "épica" acentuada pela música tonitruante de Ludwig Goransson (a cadência, ritmo, dos Batman que ele realizou). Mantendo as distâncias, ele está mais próximo de Griffith (BIRTH OF A NATION) do que de Cecil B De Mille (vd. THE FABELMANS de Spielberg). No entanto, formalmente o filme não é assim tão simples. Há vários momentos, sequências, em que a unidade cronológica (apesar da construção em flashbacks) é desconstruída (ecoando nele a montagem de MEMENTO /2000/), acabando por explodir em estilhaços de um conjunto atómico de planos(imagens) que estabelecem relações de atracção entre si por assim dizer "quânticas" (ou subliminares). Seria óptimo que esse 2º pulsar do filme (mais secreto, íntimo) correspondesse à lógica de concentração atómica exponenciada pela centrifugação dos buracos negros (vazios da matéria e da forma) da fissão nuclear. Há algo disso, contudo, nas sequências de explicação da física quântica, na da experiência da 1ª bomba (com um efeito de raios X dos corpos na imagem) ou na do discurso de Oppie depois da explosão em que se dá a dissociação do signo cinematigrafico, ie. da sua fala (gaguejante) - o tom épico do discurso -, da batida martelada da banda sonora - que contrasta com o silêncio da assembleia - enquanto na imagem os rostos de alguns dos presentes se desfazem (o que nos remete para a sequência do retorno à vida dos soldados mortos dos J'ACCUSE de Abel Gance /1919, 1939/). 3. Surpreendentemente (ou não) parece-nos haver uma "estranha" relação entre OPPENHEIMER e ASTEROID CITY de Wes Anderson. O segundo como que nos dá o estado pós-atómico do real e da imagem, passados a laser pela luz branca das radiações do primeiro. A "cidade artificial" de Los Alamos e a do filme de Anderson constituem o mesmo ciclotrao de artifício na figuração do real que o põe a vibrar, fazendo-o passar por uma descarga de fluxos (energias) que transmuta as formas e figuras. Daí o carácter, aqui, não decorativo mas quase literal (aquém da metáfora) e agressivo da flatness da forma (cores) do filme de Anderson. Algo como, arriscamos, o encontro de Warhol e Koons num pesadelo de Basquiat - que é o da História em nós, espectadores. 4. E, sim, do ponto de vista temático, dois filmes infelizmente muito pertinentes.