Nos floridos silvados as amoras que não comerei — Haikus

Nos floridos silvados as amoras que não comerei — Haikus

 

 

Borboletas e abelhas

à volta da lavanda

dançando.

 

Armo-me de papel

e pena ­­—

morreu a poeta.[1]

 

Sente-se também

no pé do gigante

a mordida da formiga.

 

Cores e aromas

oscilando

na brisa de Junho.

 

À Lua encoberta

canta o sapo —

terra molhada ao amanhecer.

 

Sobre o centenário dragão

levemente pousa

a borboleta.

 

Em Junho

de calções

à lareira.

 

Pudesse eu descrever

o aroma do correr

desta agueira.

 

Espelhada na água

da agueira

hortelã fresca.

 

Tarde se lembrou o velho

de virar a água

para as cebolas.

 

De flor em flor

as abelhas na lavanda —

incansável beleza.

 

Duas lavandas floridas

invisível entre elas

uma roseira.

 

À sombra da videira

a rã canta

mais verde.

 

Inquietos os quilhões-de-galo

anunciam

a tempestade de verão.

 

Fugindo do Sol

para o buraco no muro

corre o caracol.

 

Contra o muro

da mesma encruzilhada

em três mulheres me verti.

 

Hora de almoço no Bairro

não se houve um talher —

cai uma telha da casa abandonada.

 

Atento ao canto das rolas

um cavalo solitário

entre ruínas.

 

Lá vai saber do almoço

o velho amigo

de meu pai.

 

Não tardam em saltar

do casulo felpudo

as sementes de giesta.

 

Rodeada de verde musgo

a sola de uma velha bota —

que resta do dono?

 

Nesta terra para quem

amadurecem os figos

senão para os melros?

 

Sobre esta fraga

aqui e agora sentindo

este vento que passa.

 

Nos floridos silvados

as amoras

que não comerei.

 

Conhecerá o rio

estes pés gelados —

Noite de S. João.

 

Nesta aldeia

é a enxada

o cajado do ancião.

 

Chega o verão

o rio vai grande

amanhã parto.

 

Hortências e andorinhas

a companhia

à hora do café.

 

Aquele esperado perfume

de figueiras ao sol —

finalmente verão.

 

Directamente da cerejeira

a barriga enche-se

de doçura e nostalgia.

 

Sobre o toro de madeira

repousam agora secas

as rosas de minha mãe.

 

Como um tracejado

a lagartixa

atravessa o caminho.

 

Gosto de sair de ti

e ver-te

o cu a pingar.

 

Torre de Dona Chama-Cidões, Junho 2024


[1] No dia da morte de Maria Quintans