Édipo

Quem inventou Édipo? Édipo-rei, Édipo-opera.

Édipo nasceu triste. Triste e maldito. Oráculo: Édipo mataria o pai, Laio,  e marcaria a mãe, Jocasta, com seu sêmen.

Édipo foi exposto.

A exposição era um costume da Antiguidade. A criança rejeitada era depositada numa escada ou num caminho. Édipo foi posto no monte Citeron. Ai de ti, Laio! Que rompeste com a lei.

Conta-se que Laio, certa vez,  foi hospedado por outro rei, em outro reino e infringiu as leis da hospitalidade. Raptou o filho de seu anfitrião. Há quem diga que o violentou. Seu próprio filho, então, Édipo, nasce maldito [Esta maldição é mais antiga. O pai de Laio, Lábdaco, avô de Édipo, havia se recusado a cultuar Dioniso. Que grave, desafiar um Deus! Começa aí o ciclo das maldições da família dos Labdácidas].

Deus do céu! Terão os deuses deuses?].

Édipo é salvo. Exposto na montanha pastores o veem. 

Édipo é dado ao rei de Corinto. Édipo é duas vezes príncipe.

Não há como fugir do destino! O, popoi!! Oh, deuses!!

Édipo vai ao oráculo. Delfos. Vai, Édipo! Vai embora. Revela-se-lhe a sua trágica origem. Seu futuro, seu fado.

E Édipo obediente.

E se Joyce tivesse escrito Édipo e não Ulisses? Talvez nada mudasse. Nada muda neste mundo. A parte é igual ao todo.

Édipo encontra um velho rico no caminho. Rico e atrevido. Não o mate, Édipo! O, popoi! É um ardil.

E Édipo mata-o. Laio Assassinado. Cumpre-se parte do destino. Meio do caminho. "No meio do caminho de nossa vida encontrava-me numa floresta escura" (Dante)... O bom caminho estava perdido?

Só há um caminho.

Laio morto, Creonte-rei. Tebas.

Há uma esfinge no fim do horizonte. Metade mulher, a outra leão. Monstruosa. Devoradora de viajantes. Decifra-me ou te devoro, disse a Esfinge a Édipo.

Creonte entrega a viúva de Laio e o trono a aquele que destrinchar esse nó.

Qual é o animal, diz a esfinge. Qual animal anda cedo de quatro; de tarde de dois e de noite de três? De três patas?

Édipo, Édipo, rogue aos deuses para que sejas devorado!

É o homem, diz Édipo. Cedo, criança, de tarde adulto e de noite um velho de bengala, seu terceiro pé.

oh, Homem, oh. Como te entregas!

Édipo, em seu triunfo/derrota ganha Jocasta.

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Édipo em seu escritório. Seu terno é muito bem cortado. Creonte é seu cunhado. É seu conselheiro.

Creonte: nada está bem. Crise.

Édipo: o que fazer?

Creonte: "tocar um tango argentino" (Manuel Bandeira).

Édipo: vamos descobrir.

Creonte: sim, para teu mal. O, popoi, popoi, popoi!

Punir o culpado.

Entra Tirésias, velho conselheiro. O culpado está conosco, diz.

O antigo oráculo, responde Édipo.

Entra um mensageiro: Édipo não é filho legítimo. Morreu o pai, de quem não és filho. Fugiste, mas não escapaste. Destino.

Temos que punir o assassino de Laio, diz Creonte.

Entra um dos homens de Laio. Presente na cena. Do crime.

Entra (também) o pastor que levara Édipo-bebê. Ao monte Citeron.

A Édipo não lhe sobra saída. Está claro o seu destino. Nada se pode contra o destino.

Édipo, Oidipus, és apenas uma peça nesse jogo! Bebê dos pés amarrados, amarrada é a tua sina.

A criança dos pés inchados matara seu pai e agora possuía sua mãe no leito que fora daquele a quem tirara a vida. A vida, para que serve a vida? Se ela já está vivida.

Morte e vida. Termos simples deste jogo cruel.

Entra Jocasta. Já sabe de tudo. Está ao par. Suicida-se diante do filho-amante.

Visão atroz. Atriz.

Édipo apanha uma das canetas. Édipo fura os próprios olhos. Gritos lancinantes. É um líquido avermelhado que escorre pelo rosto.

Édipo, Édipo, já viste! Não há como arrancar os olhos da alma.

Édipo sai.

Édipo deixa a empresa. Édipo vai para Colona.

Édipo, morte e vida não te pertencem.

Cada nascimento é um vaticínio. Cada funeral, seu vir a ser. O, popoi, popoi, popoi! Pobres de nós!

Adjectivo

A proximidade do adjectivo revela, por vezes, que por baixo da sua singela roupagem, as suas costas são profundamente tortas.

O adjectivo decifrado num palco feito de usura quotidiana, não se intimida, e oferece gentilmente a sua fragilidade - um interior habitado de memória.

Adjectivar é, como sempre foi, uma coreografia sempre refeita. Uma tecnologia mais-que-perfeita. Ou melhor, um corpo em plano inclinado para a direita.