ALGUNS HÍBRIDOS
/“Misturo, logo existo”
- Barbara Stronger (1983-2019)
BWV 245
PLEXIGLAS
Como vai isso Danila?
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Nem me fales. Tem sido uma
tortura com os miúdos lá em
casa. Nunca se calam. Pior é
não poder estar com o Rui.
E tu que tens feito?
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Eu estou bem e mal ao
mesmo tempo. Já não fodo
há 47 dias. Tive de apagar o
Tinder estava-me a fazer
mal. Mas faz-me falta
carne a sério. Estou
cansada do vibrador.
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Eu entendo-te Rita. Eu tenho
marido lá em casa mas tem-me
feito falta o corpo do Rui. Aquele
homem fode como uma máquina.
Ao contrário do meu marido!
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Mas porque é que não estão
juntos agora? Ah já sei o Jorge
está em Teletrabalho!
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Pois é isso mesmo. Eu não
estou com o Rui porque lá
em casa o Jorge está o dia
todo de pijamas até irrita.
E o Rui como ficou sem
emprego teve de ir uns
tempos para casa da irmã.
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A sério? Coitado. Ou seja
nem podes ir lá brincar
para aquele apartamento
enorme com vista pro
Tejo. Era muito bonito!
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Como é que sabes que era
virado para o Tejo?
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Não sei. Deves ter-
-me dito algum dia.
Não faço ideia.
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Pois é amiga. Olha estou já
toda fodida desta cabeça.
Aqueles bíceps fazem-me
falta. É isso e ir às compras
ao Shopping. Tenho saudades
de tratar mal umas tipas lá
da Zara. Olha só para este
meu trapinho? Já não tenho
roupa nenhuma!
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Ai que exagerada! Ficas
linda de qualquer maneira!
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És um amor! Gostas deste
restaurante? Parece escuro!
Sinto-me como se estivesse
num poema altermoderno.
Num em que ninguém nos
consegue ver. Não sei.
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Ai que disparate. Toda a gente
sabe muito bem o que é um
poema. É óbvio que isto não é
um poema. Achas que nós as
duas cabemos num? Olha só
a minha peruca. Isto não cabe
num verso quanto mais numa
rima cruzada. Valha-nos Deus!
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Só essa tua peruca dava
uma epopeia! Ou Porcafeia.
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Achas? Isto aqui seria
sim uma tragédia. Não
há pente que lhe entre.
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Bem se vê! Deixa lá isso!
Vamos embora daqui.
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Vamos embora! Tu
para poema estás
muito desfocada!
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Puta do Vírus! Veio para
ficar raios partam! Quero
o meu personal trainer de
volta. Hirto e já despido.
ESPAÇO HERMÉTICO DE VICTOR BRAUNER
em memória de
Luíza Neto Jorge
Aprisionados ~
pequenos ^^ insetos *
- corpos maciços ~ ^ sem asas
Condensados em si
adormecidos ou despertos ao futuro.
Boca-peito pernas-caranguejo
Ventre-flecha homem-relógio
Criança-coração
perdidos na linha inclinada da vida
rasgam em nós a barreira
do Tempo.
Flutua agarrado às pernas de pé “petcheno”
sobre a roleta do visível
traz no circular exercício
a perdida visão do mar.
Praia ou estúdio?
Talvez a imaginação de um olho.
CAMINHOS DE RELVA
A Mirolslaw Balka
Todas as manhãs o caminho
brilhava ao vento e no gritar
daquele que dobrou o aço
o caminho estremeceu.
Havia
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linhas de aço
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um corpo denso
escuro
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frio
e
ao longe uma mão
(que parecia humana)
acenava numa
cordial alegria
aquilo que o caminho lhe trazia.
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duas barras de aço
dois rostos
duas dores e duas perfurações.
O corpo dobrado sobre a dor.
Vida de um nado morto.
17.01.2016
O AMOR DE DUAS TOALHAS
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Ressoando
o suor da
manhã
duas toalhas
uma azul e outra verde
aguardam penduradas
pela tarde fora
o cansaço e o desejo.
Perpetuam pelas horas o
odor a sangue.
E ao cair da noite
incham
recuperam os corpos
o punhal e o
recheio do
amor
Xu Zhen - “Eternity”, 2013. (detail)