Demasiado; Mano-a-mano

Demasiado

 

O amor é o amor.

3 horas a assar Douro afora,
Nick Cave como leitmotiv,
num setembro quente e negro.
No futuro não deviam haver chuvas de setembro.

Primeira incursão pelo quarto alto
de cassetes gastas e solidão de gesso,
demasiado para ti, suponho.

Naquela tarde corpos se derramaram,
elástica a tarde virou noite
e a noite virou-nos de dentro para fora,
escaldados e gastos como aqueles charros.

Haveríamos de escrever algumas vezes mais
as cartas semanais, a pele a estalar por dentro.

O amor é o amor,
e depois do amor?


Mano-a-mano

 

Arneirós, uma e meia da tarde de calor infernal.
As filhas do caseiro à volta do caldo no seu lado
da casa enquanto cozo as minhas batatas.
Tenho estado de costas para o céu,
interrompendo para de tempos a tempos ir fumar
à janela que ampara o precipício.
Paredes meias, no meu melhor silêncio, meto-me
nas conversas e alegra-me a cabeça dos outros.
Mas a minha presença tem de ser assim: 
furtiva, ágil no ouvido e leve nos dentes para não
me fazer notar e a este olho negríssimo. 
Nesse dia, prometi, e tenho tentado, de resto, 
não voltar ao mano-a-mano desenfreado,
calafetar o coração e beber das fontes mais puras.