Uma fábula para o início das aulas
/- Os banqueiros são por natureza pecadores. É o que há muito se conta e sabe, meu pequeno. Uma dessas histórias que vem nos livros, sobre princípios, conta o seguinte:
«Nos inícios do país, o Rei disse aos banqueiros que estavam nus e porcos de tanto nadar em dinheiro (que como se sabe é coisa mui suja e pouco higiénica):
«- Aproveitai a hora-de-almoço e ide-vos lavar ao Lago da Decência!
«Ora, os banqueiros bons obedeceram, não almoçaram e depressa ficaram limpinhos, prontos para outra, mas os maus, esses, não fizeram caso, demorando-se em lautos almoços e outros expedientes dilatórios. O Rei, confiando na sua autoridade e esquecendo que certos homens, como o escorpião de outra história, são o que por natureza são, não enviara guardas nem fiscais.
«Foi assim preciso que o Rei repetisse a ordem três vezes – por voz, por carta e por decreto – para que os banqueiros maus se fossem lavar, mas entretanto fizera-se tarde e o sol secara quase o lago inteiro, deixando-lhes apenas água o suficiente para limpar as mãos que tudo assinam e os pés que sabem sempre acelerar para um qualquer exílio.
«É por isso que, mesmo castigados e votados ao geral opróbrio, os banqueiros maus se misturaram com os bons, continuando até hoje livres para assinar qualquer papel, promessa ou contrato, e os seus pés lestos para os levar a qualquer estância de férias ou paraíso fiscal. De mãos e pés brancos, alvos, eternamente puros e sem mácula. Quanto ao resto, como se sabe e pode ainda hoje ver, ficaram com o corpo todo escuro. De Armani, Boss ou Versace, é verdade, mas escurinhos todos, embora de gradação fácil entre o cinzento e o azul, mas nunca de preto (o que é coisa para outra história…)
O pequeno, talvez porque já não fosse tão miúdo assim, levou as mãos à cara, baixou a cabeça e suspirou.
- Já tinhas ouvido? Pois é: vem nos manuais.
com agradecimento às memórias de Miguel Rovisco, do país novecentista e das realidades mediáticas do nosso dia-a-dia.