Saint-John Perse, «Amers», Estrofe-III-2

Saint-John Perse, Amers, Estrofe-III-2

Tradução: João Moita

«Mas erguemos ainda os braços em honra do Mar. Na axila açafroada toda a especiaria e o sal da terra! – alto relevo da carne, modelado como uma virilha, e ainda essa oferenda da argila humana de onde irrompe a face inacabada de deus. 
«No hemiciclo da Cidade, onde o mar é o palco, o arco tensoda multidão ainda nos sustém na sua corda. E tu que danças a dança da multidão, elevada fala dos nossos pais, ó Mar tribal na tua charneca, serás tu para nós mar sem resposta e sonho mais longínquo que o sonho da Sarmácia?
«A roda do drama gira na mó das Águas, esmagando a violeta negra e o heléboro nos sulcos ensanguentados da tarde. Cada vaga ergue para nós a sua máscara de acólito. E nós, erguendo os nossos braços ilustres, e voltando-nos ainda para o Mar, na nossa axila alimentando os focinhos ensanguentados da tarde,
«Por entre a multidão, em direcção ao Mar, nós nos movemos em multidão, com esse amplo movimento que emprestam à ondulação as nossas amplas ancas de camponesas – ah! mais telúricas que a plebe e que o trigo dos Reis!
«E também os nossos tornozelos estão pintados de açafrão, de múrice as nossas mãos em honra do Mar!» 

4.

Saint-John PerseAmers, Strophe 1-4

Tradução: João Moita

Daí vinhas, riso das águas, até às dependências do latifundiário.

Ao longe o aguaceiro atravessado de lírios e de foices luminosas abria para si a caridade das planícies; os porcos selvagens remexiam a terra com máscaras de ouro; os velhos assaltavam à bengalada os pomares; e por cima dos vales azuis povoados de latidos, o corno breve do vigieiro reunia-se ao anoitecer à vasta concha do peixeiro… Os homens tinham um verdelhão amarelo numa gaiola de vime verde.

Ah! que um mais amplo movimento das coisas na sua margem, de todas as coisas na sua margem e como vindo de outras mãos, nos alheasse por fim da antiga Maga: a Terra e as suas bolotas fulvas, a pesada trança de Circe e as sardas da tarde em marcha nos abrunhos domésticos!

Uma hora ávida ruborizava-se nas lavandas marítimas. Os astros despertavam na cor das hortelãs do deserto. E o Sol do pastor, no seu declínio, sob os apupos das abelhas, belo como um encolerizado nas ruínas dos templos, descia aos estaleiros em direcção aos tanques da querenagem.

Lá se avinhavam, entre os homens de trabalho e os ferreiros do mar, os estrangeiros vencedores de enigmas da estrada. Lá se excitava, antes do anoitecer, o odor a vulva das marés baixas. Os fogos de asílido enrubesciam nos seus cabazes de ferro. O cego descobria o caranguejo dos sepulcros. E a lua no covil das pitonisas negras

Embevecia-se com amargas flautas e com clamores de estanho: «Tormento dos homens, fogo da noite! Cem deuses mudos sobre suas mesas de pedra! Mas o mar para sempre atrás das vossas mesas de família, e todo o seu perfume de alga da mulher, menos insonso que o pão dos sacerdotes… Teu coração de homem, ó transeunte, acampará esta noite com as gentes do porto, como um caldeirão de chamas rubras sobre a proa estrangeira.»

Advertência ao Mestre de astros e de navegação.

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