Tentativa de progressão no entendimento de Deus

E eu fixava-me naquelas coisas que estão contidas em lugares, e não encontrava aí lugar para descansar, nem essas coisas me acolhiam de forma a que eu pudesse dizer: ‘Basta’ e ‘Está bem’, nem me deixavam voltar quando para mim estivesse bastante bem.

Santo Agostinho

 

§

 

É uma questão que trago comigo mesmo: Deus. O mesmo Deus de Abraão, Moisés, Maomé e Jesus Cristo.

 

§

 

Nem toda a minha vida fui um céptico em relação a Deus. Fui baptizado, recebi a primeira-comunhão e fui crismado. Os dois últimos acontecimentos foram da minha e inteira responsabilidade, isto é, fui eu que decidi receber a primeira-comunhão e fui eu que decidi ser crismado. Durante muito tempo acreditei no Deus que me ensinaram a acreditar: um Deus que salva os justos e condena os malfeitores, que está atento a todos os nossos passos, que era, pura e simplesmente, o polícia de tudo. Penso que nunca me foi dito que Deus é Amor, Bondade, Vida. Mas não quero afirmar. Já lá vão alguns anos e muito preconceito formado em relação à ideia de Deus. E quando digo ideia refiro-me a ideia abstracta, isto é, algo que pode ter várias representações.

 

§

 

Talvez tenha tido azar com as catequistas: foram à antiga: todas caldeirões de azeite a ferver e pecados em todo o lado. A ideia de pecado sempre me fez alguma confusão. Quase tudo era pecado: comer chocolate era pecado, levantar a saia às meninas era pecado, comparar o tamanho das pilas era pecado. A própria ideia de que nos apetecia pecar era pecado. Só mais tarde me apercebi que o maior pecado de todos (aquele que realmente importa) era negar a mim mesmo tudo aquilo que me dá prazer. No entanto, a ideia de pecado ainda perdura em mim. É algo que ainda me persegue e da qual tenho tido alguma dificuldade em me libertar. É claro que com a ideia de pecado surge um sentimento: a culpa. Não me posso esquecer que foram anos e anos de profunda e contínua negação de mim mesmo. É claro que não ouso afirmar que tudo isso está resolvido. Muito pelo contrário: quanto mais avanço, mais se adensa a inquietação.

 

§

 

A ideia de um Deus absurdo, vingador, vaidoso, existiu durante algum tempo em mim. Absurdo:  quando pede a Abraão que sacrifique o seu único filho, como prova da sua lealdade. Vingador: quando destrói Sodoma e Gomorra, que mais não são do que lugares de pura Liberdade, onde a anulação do Eu não existe. Vaidoso: quando se apresenta a Moisés dizendo: “Eu Sou Aquele que É”.

 

§

 

Mas, voltemos ao essencial: a ideia de Deus. A ideia de Deus, para além de abstracta, não é fácil. Caso fosse fácil não existira esse conceito (ou será ideia?) que tem o nome de . A Fé é a resposta a todas as questões que possam ser levantadas. Só quem tem verdadeira Fé pode apreender e compreender a ideia que é Deus. É claro que não há conceito (ou será ideia?) mais complexo do que a ideia (ou será conceito?) de Fé. Não conheci, até hoje, ninguém que conseguisse explicar convenientemente o que é isso da Fé. É quase tão difícil de explicar como de traduzir a palavra “saudade”. Ou se tem ou não se tem: Fé. Mas, nasce connosco ou é algo que cresce connosco? Há quem perca a Fé e há quem ganhe Fé e ainda há aqueles que sempre tiveram Fé. Em nome da Fé foram feitas coisas magníficas e, também, foram feitas coisas horríveis. Afinal, o que é a Fé?

 

§

 

Entendo, compreendo e considero justificável a necessidade dum centro que tudo ordene. Em alguns casos esse centro é Deus. Noutros: a Natureza, o Homem, a História, a Ciência. Contudo é impossível viver sem um centro que tudo ordene. Pode até ser um ideal, uma vontade, um desejo ou outra coisa ainda mais primitiva. Mas ele está lá presente, centro.

 

§

 

Haverá quem alegue que Deus já não é, nos dias de hoje, necessário. Lembro-me, nitidamente, que a primeira explicação que alguma vez ouvi para a trovoada foi Deus está zangado. Curioso: nunca ouvi explicar um dia de sol, nunca ouvi ninguém dizer: hoje está um lindo dia de sol, porque Deus está contente. Cresci com a noção de que Deus estava sempre zangado. Ou só se manifestava quando estava zangado.

 

§

 

Essa ideia de um Deus zangado, irado, perdurou durante muito tempo. Até ao dia em que desapareceu. E, junto com ela, a própria ideia de Deus.

 

§

 

Mas como justifico eu esse desaparecimento? Terei perdido a Fé? Mas, o que sei eu da Fé? E se perdi a Fé, terá sido a Fé em Deus, no Homem, ou em mim próprio? Muitas vezes procurei respostas. Ainda hoje as procuro. Porquê? Não consigo explicar. Sei, apenas, que existe em mim um impulso que me orienta nesse sentido. Será Deus? Ou será apenas a necessidade de encontrar um centro que tudo ordene? Ou será a necessidade de encontrar respostas para as dúvidas, inquietação?

Contra a diversão na escrita e na leitura

Jovens poetas vivendo a vida louca

Jovens poetas vivendo a vida louca

Ler não é divertido. Ou não é divertido da maneira que apregoam livreiros e editores que querem chegar a um público mais jovem. Ler não é sexy, não engata. Quem apresenta os livros como produtos que emanam sensualidade pretende apelar a um público que considera quase tudo o que se escreve aborrecido. Um público que não lê. Um público ansioso que não aprecia o tempo longo, que quer viver agora. Para existir agora não se pode fruir com Ulisses, de Joyce. O livro sensual é o livro de Bukowski ou Kerouac, o livro de fácil leitura que nos faz crer que ser escritor é beber e fornicar imenso e andar com quem e como queremos. Autores com muita probabilidade de serem vendidos por quem apregoa a sensualidade do livro são os publicados em editoras extintas, ditas subterrâneas. Estes autores cavernosos têm muitos méritos literários, mas não é pela escrita que encontram compradores: é pela imagem rebelde, por muitas vezes terem sido marginalizados em vida, por não terem tido o reconhecimento que mereciam, por se desviarem da norma e serem considerados "loucos". Ler é, então, divertido quando se está no campo do subterrâneo, do subversivo, do clandestino. Quando imitamos os nossos heróis no que estes tiveram de mais supérfluo. Quando lhes copiamos os gestos e as frases politicamente incorrectas. 

Escrever é ainda menos divertido. Mas quem lê desta maneira, quem confunde a vida do escritor com a escrita, ao ponto de saltar por cima da escrita, não quer saber da dor. Escrever não pode ser difícil. Carlos de Oliveira escreve o seguinte a propósito de um livro seu: "obra lenta, elaborada com todo o vagar na "alquimia" dos papéis velhos. Quase sem eu dar por isso o livro surgiu-me pronto, é certo, mas levara três anos a construí-lo. Papéis acumulados, experiências para aqui, para ali, vários livros a crescer lado a lado. Coisas reescritas até à saciedade, e por fim a pequenina explosão já entrevista, pelo menos sonhada" (O Aprendiz de Feiticeiro). Quem demora três anos a concluir um manuscrito? O rapaz que escreveu cinquenta páginas e as enviou para todas as grandes editoras, esperando a partir daí viver da sua genialidade? O rapaz que lê Herberto, que sente Herberto, que só sente Herberto? O artista que fumou dois cigarros de enrolar com os seus amigos iniciados na poesia e decidiu virar poeta? Qual o tempo da escrita para quem vive da diversão literária, para quem encara a leitura e a escrita como algo que não pode ser chato? Três anos é muito tempo. Reescrever é demorado. 

A fama deve ser instantânea. Deve demorar o tempo de chegar a casa e escrever três versos. Quem entra na arte procurando a rapidez e a risada e a camaradagem não espera dificuldades. É preciso aparecer no facebook, receber centenas de likes, ser fixe. Quantos amigos perdemos se demorarmos três anos a reescrever? Saramago começou tarde, Fernando Campos e outros também. O tempo da escrita, do aperfeiçoamento da escrita, varia. Não evoluímos da mesma maneira. Para estes talentos  não há tempo a esperar, é necessário ser famoso e já. Abre o bar e temos de lá estar. Não podemos faltar a certa apresentação. Temos de apertar as mãos certas. Se não aparecer no suplemento cultural, perdi o filão da fama. Não é assim. A literatura não faz rir. Não é um trampolim para aparecer no suplemento. Todas as semanas aparecem génios. Portugal encheu-se de génios versáteis, dotados das mais extraordinárias capacidades artísticas. Recenseiam, poetizam, documentam, romanceiam. Sim, multifacetados e risonhos e grandes cavaleiros da luta contra a alienação. Mas Carlos de Oliveira, triste e lento, continua a ser melhor. Qualquer escritor que saiba viver no silêncio, distante da criançada, será melhor. 

Jovens autores sentindo a literatura.

Jovens autores sentindo a literatura.


Bach, ou o silêncio

 

Se há alguém que deve tudo a Bach, é seguramente Deus.

E. M. Cioran

§

Durante uma aula, e enquanto os alunos faziam uns exercícios, coloquei as Variações Goldberg. Foi o silêncio total.

§

 Deixei de acreditar na existência de Deus. No entanto, sempre que ouço Bach essa minha não-crença desvanece. Quanto a mim é impossível um homem ter escrito música tão bela sem uma ligação directa a Deus. Se Deus existir, Ele está na música de Bach.

§

 Por exemplo as Suites para Violoncelo. É nas pausas, nos silêncios, que mais vezes ouvimos o violoncelo respirar, recuperar o fôlego. Diz-nos algo que está para lá das palavras (que Bach me perdoe o cliché). Há uma Voz que nos diz que não devemos ter medo, que tudo irá correr bem. Essa Voz só pode ser concebida através da música. É aí que reside toda a grandeza de Bach: nessa Voz que só a música pode criar, pois de outra maneira ela seria ruído, estrondo.

§

Ao ouvir Bach todo o Homem hesita entre a crença em Deus e a não-crença em Deus. Ou nos Deuses, se preferirem. Ou no Divino. Esta é a principal característica da música de Bach: o contacto directo com algo que transcende o Homem, que lhe é superior, que o confronta com a sua pequenez, com a sua inequívoca mortalidade. Os Concertos de Brandenburgo não são o melhor exemplo para exemplificar esta minha posição. Foram, no entanto, a primeira obra de Bach que ouvi. Até os ouvir julgava que todo o Barroco era um amontoado de exageros, superficialidades, devaneios que não levavam a lugar nenhum. O que só prova a minha ignorância. Ora os Concertos de Brandenburgo foram uma revelação, uma manifestação de um Poder que, até então, acreditava não existir. Com essa primeira audição instalou-se em mim a dúvida, a inquietação.

 §

 Bach está para a música como Newton e Einstein estão para a Física. Sinceramente, não sei se já vi isto escrito em algum lugar. É provável que sim. Não consigo conceber as descobertas de Newton ou Einstein sem inspiração Divina – seja lá o que isso for. Com a música de Bach é a mesma coisa. Ninguém fica indiferente, por exemplo, a qualquer uma das suas cantatas. É humanamente impossível. Nessa impossibilidade reside o Divino em Bach. Talvez seja uma mera suposição. Mas há algo que nos ultrapassa quando ouvimos Bach, que não é explicável, que simplesmente é. E tudo aquilo que é ultrapassa-nos, projecta-nos para um outro patamar, onde Homem e Divino se encontram, tocam, são. E a música de Bach tem a capacidade de ser.

§

 Não é estranho afirmar que a música de Bach tem uma forte componente teológica. Arrisco-me a chamá-la de teomúsica. Toda ela foi escrita para o Homem comunicar com o Divino, para estar mais próximo dele. Pensemos num exemplo: A Paixão Segundo São Mateus, BWV 244. Baseada nos capítulos 26 e 27 do evangelho de São Mateus, ela procura retratar os últimos dias da vida de Cristo, o seu sofrimento. Mas Bach (em todo o seu génio) vai mais além. Ele procura colocar o Homem em contacto directo com o Divino, transformando a sua música no veículo que permite esse contacto. Ela é, em certa medida, a única linguagem que Divino e Homem entendem e conseguem utilizar. Sem ela só haveria ruído.

§

 Uma coisa é certa: não sou conhecedor profundo da música de Bach. Apenas gosto de ouvir. Reflectir, talvez, sobre ela. Pensemos no Concerto de Brandenburgo n.º 3, no último andamento, o Allegro. Já aqui disse que toda a música de Bach se inclina para aquilo que designo por teomúsica, isto é, uma música que procura o Divino. Ora o Allegro do referido Concerto n.3 é, do meu ponto de vista, um exemplo que retrata bem essa procura do Divino. Este Concerto foi escrito para três secções de cordas – três violinos, três violetas e três violoncelos – não esquecendo a base de cravo, que é reforçada por um contrabaixo. No último andamento, o Allegro, a simbiose entre todos eles é, simplesmente, perfeita. Num crescendo os violinos abrem o caminho às violetas, que por sua vez combinam com o discreto cravo. Todo o andamento funciona como uma espécie de mantra, onde princípio e fim se confundem, são o mesmo.

Não sei lidar com a rejeição

Não sei lidar com a rejeição. Por mais textos que leia sobre escritores que tiveram extrema dificuldade em publicar livros hoje considerados geniais, custa enviar um manuscrito a uma editora e não receber resposta ou levar um não. Sou traumatizado, qualquer palavra me fere de morte. Sou uma flor de estufa. Não ando atrás de editoras, nem de revistas, nem desejo conhecer novas pessoas, e tendo a desiludir-me com tudo, literalmente com tudo. 

A editora é demasiado mainstream para ti, só publica best-sellers. Podemos inventar mil frases para aliviar o peso do fracasso. Os editores da coisa não captaram a essência da tua escrita ou nem te leram o manuscrito. Talvez seja verdade. Admitamos que a escrita é extraordinária, que o editor não captou a alma do documento ou que nem lhe pôs os olhos. A sensação de fracasso não desaparece. Culpar os outros é, para quem cresceu martirizado, uma forma de nos culparmos ainda mais. Quanto mais culpamos terceiros, mais forte se torna a convicção de que estamos a fugir à responsabilidade. Somos responsáveis pela nossa mediocridade. Abundam os textos dedicados a temas como "the art of not giving a fuck". Ler esses textos consola durante o momento em que os lemos, depois regressa a sensação de não valer um tostão furado. A vontade de desistir, de não querer publicar, escrever, comer ou sair da cama, volta à superfície mal nos encontramos disponíveis para ouvir a vozinha que nos acompanha desde tenra idade. A americana Roxane Gay escreveu algures que grande parte da vida de um escritor passa pela rejeição, que ser rejeitado é o quotidiano de quem escreve. Se não convives bem com a rejeição, não és escritor, assevera Gay, se calhar com razão a mais. Quero ser amado. Aceite. Não me atirem um não, será o último não. 

Quando me pergunto se existem editoras ou revistas para as quais possa enviar manuscritos ou artigos, a resposta é invariavelmente negativa. Enviar textos para onde? Misantropo, imagino que a malta se conhece, que é preciso pertencer a círculos, assistir a apresentações de livros, aparecer no bar x ou na sessão de leitura y. Claro que sou ridículo e que o mundo das editoras premeia o talento. Só é recenseado o verdadeiro génio. Não é só por não conhecer ninguém que não abandono o casulo, é também por não acreditar em nada. Fará isto sentido? Um homem morre e a sua biblioteca pessoal vai parar às mãos de um carroceiro que os atira para o lixo ou vende na feira. Um escritor publica um livro e ninguém se interessa. Tolstói escreveu A Guerra e Paz mas na altura da nossa morte não haverá livro que nos salve. Nada faz sentido e quem sabe se a melhor opção não será o silêncio.

Mendel tem de viver

cover.jpg

Prestigioso erudito, Jacob Mendel, alfarrabista criado por Stefan Zweig, suporta a autoridade de quem lê. Este alfarrabista mirrado, delicado, com cabelos emaranhados, cuja vaidade consiste em saber, em ser uma enciclopédia falante, não era figura incomum para um vienense nascido no século XIX. Para imberbes habituados às livrarias especializadas no best-seller e a funcionários de colete vestido, formatados para vender livros da mesma maneira que venderiam frigoríficos ou esquentadores, Mendel, o velho sentado com os olhos pregados ao papel amarelado pelos anos, com o casaco atafulhado de cadernos e folhas transbordando com nomes de clientes e títulos de livros, é, só pode ser, criatura exótica, tão fictícia quanto a Branca de Neve ou a Cinderela.

Os livros de Zweig têm o sabor de um passado artificial e pomposo em que homens refinados convivem com damas sublimes e afidalgadas. Os segredos aterradores, os desgostos amorosos, as tragédias e depressões que a todo o momento irrompem nos seus contos e novelas perdem no confronto com um pano de fundo de requinte. O mundo da educação e de bom gosto, que é o mundo perdido de Zweig, foi impecavelmente reconstruído por Wes Anderson em The Grand Budapest Hotel (2014). No concierge Gustave, interpretado por Ralph Fiennes, vislumbramos a mesma civilidade de Zweig. Numa história de Guerra não são a crueldade e a violência que sobressaem: é o hotel e Gustave, é o escritor. Quando os russos prendem Jacob Mendel, não é só um homem que deixa de frequentar um café, não é só uma livraria que fecha: o desaparecimento de Mendel representa o fim de um universo. O alfarrabista Mendel arrasta para o esquecimento a sua profissão, ou melhor, uma forma de existir. Mais ninguém dedicará o dia inteiro à leitura ou abancará no café Gluck tentando meter ordem ao caos, tentando domesticar uma ignorância mais forte, muito mais forte do que o mais bravo dos humanos.

O alfarrabista hodierno pouco tem que ver com Mendel. Vender livros não equivale a saber mais. Os livros são tratados como objectos que proporcionam felicidade e prazer, como se houvesse prazer construído sem sacrifício e dor. O charme e a caturrice de Mendel foram substituídas pela simpatia artificial, pelo computador, pela linguagem robótica de empregados nunca educados para entender o valor de um livro, não o valor de um livro raro, o valor do livro enquanto ferramenta fundamental para travar este combate inglório contra o reles, o estúpido ou o humano, no fundo. O livro virou sensual, tornou-se consensual a ideia de que é preciso agradar às massas, tornar o papel apelativo, convencer a turba de que ler é um acto social como namorar, que se regurgitará uma gargalhada a cada virar de página. Mendel morreu, tem morrido. As livrarias, mesmo as mais pequenas, existem para agradar. Para agradar até a quem quer ser escritor, como se uma livraria fosse uma telenovela que acolhe figurantes de escritores, pastiches de Luiz Pacheco. Combate-se a ignorância educando, e educar nada tem que ver com cigarradas e cervejas e risadas com leituras de poemas para o Facebook. Mendel precisa de voltar a nascer, urge redescobrir o valor dos livros e da leitura, aprender a ler desinteressadamente, por gosto ou vício, aprender a ler tudo. Ler é difícil, não faz rir. Não contrariamos este tempo detergente virando rinocerontes. Mudamos o presente envelhecendo, desejando ser velhos. Resistir, neste panorama, significa trazer de volta a boa educação, o ler em silêncio, o dormir rodeado de livros. Ser caturra em alturas em que se exige simpatia e festa. Platão continua ainda, sempre por ler, não há tempo para a superficialidade.