Canzione per te
/Gosto daquela velha música de Sergio Endrigo
porque nunca mais a escutei
nas serestas de família
Do mesmo jeito, arrebenta os meus olhos
o violão de cordas arrebentadas
no qual ninguém ousa encostar a mão
seja por pena, seja por nojo
As pessoas me parecem mais interessantes
se não conheço os seus nomes
Prefiro-as extraviadas em cartas apócrifas
ou soltas em catálogos ordenados numericamente
Desculpe-me, H., mas as casas são fabulosas
apenas quando não digo: casas. Então, são fabulosas de verdade
É que, ao não dizer: casas
(assim, por inteiro, no sentido total e totalizante da palavra)
só me resta falar sobre os móveis cobertos
sobre o cinzeiro limpo, sobre a torneira fechada
Nestes dias temperamentais, o berço sem criança
tem me comovido mais que a ideia da criança
Há ainda as coisas que se cumprem
pela metade, sempre mais belas e convincentes: a ambrosia que enche
meio estômago, os trinta minutos, o chá de cacto
que não te rouba toda a consciência
Sob a marquise
espero a segunda vinda de Cristo
e torço para que o episódio não saia nos jornais
de grande circulação
Pensa em como seria
se anunciassem a chegada do Nosso Senhor
na mesma placa que agora informa
Consertam-se venezianas
Seguem em paz os coadjuvantes das próprias fantasias
Também eu quero tamanha paz, apesar de saber
que, nesta festa insólita, não me será dado um fiapo sequer
do mais breve sossego.