“This is where we would kiss if we were normal”
A citação é uma frase dita às tantas por uma das personagens de Pride, e permanece no meio do filme como o epítome de um dos seus temas mais importantes: a busca pela mediação entre um sentido de diferença e identidade que só pode ser alcançada se o ponto de partida for a solidariedade. Neste sentido, Pride, baseado em factos verídicos, é um filme cheio de humanidade. O filme narra a improvável história de como uma associação de activistas gay veio a tornar-se uma das principais apoiantes de uma pequena comunidade de mineiros no sul de Gales durante a greve de 1984-1985, durante o governo de Thatcher.
Pride não é um grande filme no sentido em que, por exemplo, Twelve Years a Slave é um grande filme. Ambos partilham o facto de serem baseados em histórias verídicas, mas enquanto Twelve Years a Slave se torna uma obra de arte, com a qual temos uma relação ética complicada justamente porque ela atinge este estatuto (sobre isto já aqui se escreveu), Pride não é esse tipo de filme, mas tendo dito isto, é um filme cheio de pulso, baseado numa história cheia de alma.
Eleito, na estreia, filme da semana pela crítica da BBC (a fantástica dupla Mark Kermode e Simon Mayo), Pride é uma pequena história sobre como a solidariedade pode vencer a diferença e o preconceito e desse ponto de vista é uma versão trazida à escala de duas comunidades de um microcosmo de tenções que são em termos abstractos parte de todas as relações humanas. O peso da resposta que o filme nos quer dar acaba por pender completamente para o lado mais positivo dos actos e resoluções que essa escala emocional supõe. O lado mais comovente do filme (Mark Kermode diz que começou a chorar aos quinze minutos e não parou mais) depende em grande parte disso.
Pride é um filme que nos enche de esperança na humanidade, cuja imagem acabada é essa fábula sobre o poder de pequenas comunidades que se juntam contra os grandes poderes opressivos, dos quais fazem parte uma polícia sem grandes problemas em levar a cabo detenções ilegais no meio de uma população desinformada ou as primeiras páginas homofóbicas e pró-Thatcher do The Sun de Rupert Murdoch, elementos que configuram talvez uma das linhas mais interessantes do filme em relação ao contexto da sua estreia – esse comentário contra o poder da desinformação.
Poder-se-ia aqui parafrasear Lampedusa para arrumar este filme entre o número desses objectos contemporâneos que, completamente desprovidos de alma, nos dão a ilusão de que tudo está a mudar para que tudo possa, afinal, ficar na mesma. Nem sempre se pode ser tão cínico e é preciso admitir que, não estando do lado do Leopardo, proferir esta frase não nos dá muitas vezes mais vantagem do que tornarmos óbvio que estamos a ver o que está a acontecer, sem mais vontade de reagir do que um aceno enjoado de grumpy cat.
Uma última nota sobre interpretações. Bill Nighy alcança o prodígio de manter a mesma expressão durante todo o filme (com uma pequena, mas crucial, variação), o que paradoxalmente resulta numa interpretação excelente. Outra alegria que este filme nos traz é poder rever Dominic West, o McNulty de The Wire, e Andrew Scott, o actor que interpreta Moriarty na mais recente versão de Sherlock da BBC (esta protagonizada por Benedict Cumberbatch e Martin Freeman), o que na ressaca pós-Sherlock, é sempre bem vindo (as séries são emitidas por vezes com dois anos de intervalo). Pride estreia em Portugal em finais de Outubro.