Charles Bukowski, "Lei"

Bukowski nos anos 60

Bukowski nos anos 60

Tradução: João Coles

lei

“olha,” disse-me ele,
“todas aquelas crianças a morrer nas árvores”
e eu disse, “o quê?”
ele disse, “olha.”
e eu fui à janela e sem sombra de dúvidas lá estavam elas penduradas nas árvores,
mortas e moribundas.
e eu disse, “o que é que isto significa?”
ele disse, “não sei, foi autorizado.”

no dia seguinte quando me levantei havia cães nas árvores,
pendurados, mortos e moribundos.
virei-me para o meu amigo e disse, “o que é que isto significa?”
e ele disse,
“não te preocupes, as coisas são mesmo assim.
votaram. tomaram uma decisão”

no dia seguinte havia gatos.
não sei como é que apanharam aqueles gatos todos tão depressa e os penduraram nas árvores, mas conseguiram.
no dia seguinte havia cavalos,
e isso não foi muito bom porque muitos ramos podres se partiram.

e depois do pequeno-almoço no dia seguinte,
o meu amigo apontou-me a pistola à frente do café
e disse,
“bora,”
e saímos.
e havia uma carrada de homens e mulheres nas árvores,
a maioria deles mortos ou moribundos.
ele preparou a corda e eu disse,
“o que é que isto significa?”
e ele disse, “foi autorizado, é constitucional, foi aprovado pela maioria,”
e ele atou-me as mãos atrás das costas e a seguir abriu o nó.
“não sei quem me irá enforcar,” disse ele,
“quando te despachar,
quando isto estiver a chegar ao fim,
presumo que restará uma só pessoa e esta terá de se enforcar”
“imagina que o não faz”, pergunto.
“tem de o fazer,” disse ele,
“foi autorizado.”
“ah,” disse eu, “muito bem,
então vamos a isso.”

 

publicado pela primeira vez na "New York Quarterly", nº 10, em 1972


law

“look,” he told me,
“all those little children dying in the trees.”
and I said, “what?”
he said, “look.”
and I went to the window and sure enough, there they were hanging in the trees,
dead and dying.
and I said, “what does it mean?”
he said, “I don’t know it’s authorized.”

the next day I got up and they had dogs in the trees,
hanging, dead, and dying.
I turned to my friend and I said, “What does it mean?”
and he said,
“don’t worry about it, it’s the way of things. They took a vote. It was decided.”

the next day it was cats.
I don’t see how they caught all those cats so fast
and hung them in the trees, but they did.
the next day it was horses,
and that wasn’t so good because many bad branches broke.

and after bacon and eggs the next day,
my friend pulled his pistol on me across the coffee
and said,
“let’s go,”
and we went outside.
and here were all these men and women in the trees,
most of them dead or dying.
and he got the rope ready and I said,
“what does it mean?”
and he said, “It’s authorized, constitutional, it passed the majority,”
and he tied my hands behind my back then opened the noose.
“I don’t know who’s going to hang me,” he said,
“when I get done with you.
I suppose when it finally works down
there will be just one left and he’ll have to hang himself.”
“suppose he doesn’t,” I ask.
“he has to,” he said,
“it’s authorized.”
“oh,” I said, “well,
let’s get on with it.”

Encruzilhada política, entre progressismo e conservadorismo

A crítica da razão cínica.jpeg

“Estou armado com uma couraça feita apenas de defeitos.”
Pierre Reverdy

Há uns tempos, Peter Sloterdijk, conhecida a sua terrível inclinação para a irrisão (daí denunciar tão bem os mecanismos cínicos que fazem parte do Ocidente na Crítica da Razão Cínica, 1983), afirmava que era um “conservador vanguardista”, jogando com uma aparente contradição mais apropriada à realidade do que a sua antiga auto-designação “nietzschiano de esquerda”. A tensão entre os termos conservação e vanguarda aviva a confrontação entre passado e futuro, mas sobretudo a oposição entre concentração identitária vs. dispersão identitária. Em Sloterdijk aquele centauro parece funcionar bem, em primeiro lugar porque projecta forças provocatórias com que o filósofo alemão da desconstrução (talvez não queira ser chamado assim) alimenta a sua veia polemista; em segundo lugar porque ele próprio, nascido na Alemanha de Leste (dita “Democrática”), desconfia da bondade intrínseca do chavão progressista que anuncia um homem novo e esplendoroso todos os dias, quando afinal só consegue alterações de cosmética para que tudo fique na mesma. E esta conservação faz-se pela desigualdade económica e uma “ininteligibilidade calculada” que, à semelhança da arte contemporânea, mantém os mortais afastados de uma complexidade só deslindável por meia-dúzia de especialistas ou, pior, de produções e funcionamentos arbitrários e desconcertantes (das emissões dos motores a diesel às dívidas soberanas). Talvez, refere o autor, nos estejam sempre a oferecer “bombons envenenados”.

Mas o que oleia a máquina sloterdijkiana pode fazer derrapar o homem médio que trabalha, consome e paga impostos (também se diverte e pensa, mas num grau inferior). E talvez seja por isso que a direita reaccionária (atenção que a esquerda anquilosada nas trevas estalinistas também não quer que a história avance, o reaccionarismo é um fenómeno multipolar) vai emergindo no mundo tradicionalmente inovador ocidental. O trumpismo, o putinismo e outros ismos conservadores, nacionalistas, culturalistas (costumo ser parcimonioso no uso do termo “racismo”, biologicamente infundado), elitistas... que apareceram impulsionados por uma plêiada de preconceitos e um politicamente correcto extremamente redutor, assinalam o mal-estar num Ocidente que durante séculos quase monopolizou os discursos sobre “avanços civilizacionais”, que mesmo quando redundavam em retrocessos passavam facilmente por virtuosos.

Este toque dos sinos a finados lembra-nos que não pensar nos problemas para não os revelar ou amplificar é geralmente uma má opção. Sobretudo porque, como dizem agora muitos comentadores que julgam curto-circuitar o senso comum, as causas que originam os problemas não desaparecem sob o silêncio poderoso da elite discursiva. Há visões do mundo, tricotadas com fios linguísticos toscos, que se propagam tão rapidamente como os melhores artigos de opinião de estetas e argumentadores profissionais, bem-pensantes e bem-falantes que, porém, não conseguem conceber o modo de funcionamento dos milhões de energúmenos que votam no Ocidente (às vezes bem, diga-se), nem tão pouco a mesquinhez calculista que passa rapidamente da frustração económica para as teses políticas proteccionistas mais elementares. Noutros termos, a globalização económica e cultural desbaratou o capital identitário que durante séculos firmou um contrato de sentido marcando facilmente as fronteiras que separavam o “nós” dos “outros”. Agora, tudo é vago, indistinto, mesmo o preço dos gadgets flutua animadamente ao sabor das deslocalizações industriais, das imitações e das desvalorizações monetárias. Há uma irracionalidade aparente que desintegra a identidade, há uma concorrência pelos talentos e pelos investimentos que mina o statu quo ocidental ou dentro dele de um ou outro país mais narcisista, há uma abertura tecnológica que desafia a supremacia da inteligência humana, desenvolvendo ou a angústia de outra queda icariana ou a perda da centralidade da espécie humana. Em resumo, vão-se erodindo algumas das certezas que costuravam o nosso eu, que mesmo sendo um patchwork (não nos iludamos) assegurava com eficácia um nível suficiente de identidade a cada indivíduo, permitindo até, como refere Nietzsche, matar Deus (sem que depois, como temia Dostoiévski, tudo se equivalesse, isto é, houvesse permissões sem freios no agir e no julgar, apesar das apocalipses do século XX).

Le dérèglement moral de l'occident.jpg

Neste caldo cultural que deixa medrar os oportunistas e os medíocres, com argumentos básicos vindos tanto da velhíssima estratégia do bode expiatório quanto da inflação balofa do vetusto conceito de “soberania nacional” (o soberanismo é uma reminiscência do Ancien Régime ou, na melhor das hipóteses, a recuperação de nacionalismos camuflados por detrás da ideia da auto-determinação geográfica e cultural; em boa verdade tudo influi em tudo, não há, pois, soberanidade, sem que isto inviabilize certos níveis de autonomia), cresce a desconfiança acerca do multiculturalismo (que, aliás, sempre foi mais tolerado do que valorizado) e percebe-se o regresso de grelhas dicotómicas baseadas na inclusão/exclusão. No meio disto, aparecem, pela primeira vez há muito tempo, novas racionalidades que estão entre a abertura e o fechamento cultural, entre o desaparecimento do humanismo eurocêntrico e a refundação das nações em torno dos valores tradicionais da comunidade dominante, entre o “vale tudo” e o “só vale aquilo que é nosso”. Ilustradas, por exemplo, pela voz de Philippe Bénéton no seu mais recente livro, Le dérèglement moral de l’Occident (A Desregulamentação Moral do Ocidente, ainda sem tradução portuguesa). Nesta obra define o Ocidente como o mundo das aparências, onde o indivíduo é, de direito, rei, mas, de facto, não possui uma real autonomia. Aparentemente super-livre, o indivíduo da “modernidade tardia” está sujeito a inúmeros constrangimentos, visto que, como refere uma nota do editor, “A grande arte do nosso tempo é a de dar ao conformismo o nome de liberdade, à desregulamentação moral o nome de emancipação.” Para o autor esta dissonância resulta e amplifica a crise moral do Ocidente, uma crise profunda, nutrida, por um lado, pelo cinismo, a paródia e a negação, e, por outro, por moralismos culturalistas ou multiculturalistas.

A propósito do livro, Bénéton deu uma entrevista ao jornal Le Figaro onde refere que a origem da desregulamentação moral do Ocidente está num pensamento que só concebe duas categorias legítimas de seres humanos: a humanidade e o indivíduo. É daqui que vem o discurso hegemónico sobre as virtudes da diversidade, percebendo-se mal que quando se amplia a diversidade se valoriza o indivíduo em detrimento da humanidade, desvalorizando cada vez mais as poucas coisas comuns entre essas partículas egológicas sobre-aquecidas e mimadas da espécie humana. No limite, só se partilha uma liberdade igual, estabelecendo somente um conjunto de “regras sensatas” necessárias a estar de vez em quando com os outros. Por isso, “A democracia liberal toma um novo sentido, ele advém de uma simples mecânica, definindo-se unicamente pelos procedimentos [que realiza]. O multiculturalismo supõe que toda a gente se pode entender com toda a gente, bastando um acordo sobre as regras do jogo.” Mas, cético, Bénéton alerta-nos para essas convivências falhadas que são as relações entre sérvios e croatas, gregos e turcos, hindus e muçulmanos, flamengos e valões... Apesar disto, a Europa persiste no discurso de uma “Europa dos indivíduos”, aberta a todas as perspectivas e modos de vida, sendo os Direitos Humanos o único constrangimento válido. Isto aprofunda o relativismo moral, presente nos meios de comunicação, na economia, nas ciências ou nas relações quotidianas. Mas esta indigência moral, dobrada sobre si mesma, dá nascimento a uma nova “moral de contrabando”, que o autor define assim: “por um lado a nossa modernidade tardia assume uma libertação moral: a cada um os seus valores, cada indivíduo é soberano, viva a liberdade, abaixo o velho orgulho moral! Mas por outro lado, são definidas a boa e a má maneira de viver e de pensar.” O “Mal” não desapareceu, alojou-se em qualquer crítica ou acção contra a liberdade, o pecado está agora nas formas, por mínimas que sejam, de descriminação ou de intolerância, incarnado nas palavras, muitas vezes auto-referenciais, “racismo”, “sexismo”, “elitismo”, “xenofobia” ou “homofobia”. Isto aponta para uma nova divisão moral da humanidade: “de um lado, os representantes do novo mundo, os heróis de uma sociedade aberta ou avançada, os progressistas, os modernos, os feministas..., do outro lado os retrógrados do velho mundo, os defensores de uma sociedade fechada ou tribal, os detentores da velha ordem moral, os conservadores ou ultra-conservadores, os reaccionários, os populistas, os xenófobos […], em resumo uma divisão entre amigos e inimigos da humanidade.” Recuperação de um maniqueísmo primário (haverá outro?) que, afinal, e contra o que parece dizer, não é muito favorável à discussão livre. Aposta-se no politicamente correcto (a que Bénéton chama “opinião dominante”, sempre super-conveniente, tanto que não precisa de ser justificada), diz-se o que a nova moral preconiza, o que todos acham oportuno, vence o anódino que permite o unanimismo. Esta retórica tem um poder imenso, “ela bloqueia, intimida, tende a reduzir os adversários ou os reticentes ao silêncio.” E assim quebra-se o círculo virtuoso da discussão, da confrontação, do agon grego. Mas há também as formas de ataque pela irrisão, em vez de se discutirem ideias usa-se a caricatura, a paródia, o ridículo. É mais fácil satirizar do que argumentar. A nova casta, inimputável, é constituída pelos “filósofo radical, o sociólogo crítico, o activista dos direitos humanos, o feminista militante, o jornalista bem-pensante”. São uma “casta” porque formam algo semelhante a “um ‘partido’ informal. Um ‘partido’ poderoso que nos diz como devemos pensar, sob pena de acabarmos na categoria dos maus.”

Felizmente, acredita Bénéton, este pensamento único já não é hegemónico, embora ainda seja dominante. Continua, pois, a ser preciso compor um debate leal que conteste as estratégias sofísticas que condenam logo à partida os discursos pelas suas intenções. Bénéton deplora (talvez exageradamente, mas enfim dispõe-se à discussão) que muitos jovens andem hoje à procura deles mesmos. À pergunta “quem és tu?”, responde-se por um evanescente “eu sou... eu!”, um ser auto-produzido, sem heranças. Mas este “eu” evapora-se facilmente, órfão de referências estruturantes (família, país, religião), não aguenta um pequeno ataque de dúvida metódica. Parece que nada vale o suficiente para ser investido com um compromisso sólido, capaz, em retorno, de trazer um sentimento forte de pertença. Reina a “grosseria e a vulgaridade”, a desilusão, o niilismo axiológico; isto permite aos fanáticos islâmicos ou evangélicos denunciarem a nossa fraqueza endémica: vamos ufanos desnudar-nos ou embebedar-nos, somos carreiristas e consumistas (Gottfried Benn dizia: “Ser estúpido e ter trabalho, eis a felicidade.”), mas não vemos nada onde valha a pena arriscar a vida (forma última de avaliarmos o que somos). Depois disto, o entrevistador pergunta-lhe se não será Bénéton um nostálgico do Ancien Régime e do poder da Igreja. A resposta é “não”. Considera-se uma “liberal-conservador”, no sentido de Tocqueville, liberal porque ligado aos princípios modernos (igualdade de direitos, liberdades públicas), conservador porque preocupado em preservar o enraizamento e o compromisso, as qualidades morais e espirituais. Em resumo, o ideal liberal-conservador é o da “liberdade com bons valores”. Nada fácil. E se quisermos acabar em modo ainda mais pessimista podemos socorrer-nos novamente de Peter Sloterdijk: “Não somos suficientemente loucos na nossa vida de todos os dias para discernir correctamente a loucura que passou a ser o estado normal da nossa vida corrente e da nossa história.” (Crítica da Razão Cínica, 1983/2011, p. 489).

A leitura é a-histórica

André Kertész, Paris, 1926

André Kertész, Paris, 1926

Há um conjunto de fotografias, espaçadas no tempo, de André Kertész que, como esta que pus em epígrafe, parecem parar o tempo. Creio que os fotógrafos vivem com o síndroma da amputação temporal, daí vermos inúmeras tentativas de inserir, das mais diversas maneiras, o movimento nas obras fotográficas. Mas neste caso, e na série de clichés do autor húngaro dedicados à leitura, sente-se uma libertação dessa quase obsessão, sem pruridos deixa-se, ou faz-se, parar o tempo para que o leitor sobressaia no seu rito de atenção solitária. 

Claro que o que vemos aqui resulta da magnífica composição de Kertész, mas isto só acontece porque a leitura (que exige a presença de elementos orgânicos normalmente frenéticos – seres humanos) pode desligar-se da história, do tempo e do espaço. A leitura é porventura o único comportamento terreno que pode indiciar o que seria um reino de deuses contemplativos, auto-contemplativos. 

Banda desenhada

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O dia começou bem. Um simpático e-mail anuncia-me que a Comixology, o site de banda desenhada da Amazon, está a fazer saldos de verão nas listas da Marvel e da DC. Isso significa que os três volumes que reúnem os livros de Daredevil de Frank Miller e Klaus Janson, quase mil páginas de acrobático combate ao crime, pontuado por dilemas morais inesperados em alguém que decide passar as noites a saltar de telhado em telhado num fato vermelho de material indeterminado mas desconfortavelmente justo, deixarão finalmente o limbo da minha wishlist. E não vêm sozinhos: Marvel 1602, de Neil Gaiman, dois volumes de Doom Patrol, e os volumes de The Ultimates que me faltam far-lhe-ão companhia. Um dia de caça feliz.

Uma boa parte das nossas paixões têm origem difusas, que nós somos incapazes de precisar, e nem nisso temos grande interesse. O meu amor por banda desenhada é um dos poucos cuja etiologia sou capaz de mapear.

O meu pai tinha-me levado para casa dos meus avós, no Porto, para passar lá os meses de verão, como sucedia sempre. Para ter com que me entreter, o meu pai comprou todos os livros de banda desenhada a que conseguiu lançar mão, e deixou-os com o meu avô, com instruções de me dar um livro novo todos os dias. Eu tinha então nove anos. Os dias passavam com uma regularidade fácil: de manhã íamos à praia, a Espinho, ou à piscina de Leça. Nesse ano o meu avô ensinou-me a nadar. Almoçávamos na praia e regressávamos a casa depois de almoço. Por vezes passávamos pelo clube de vídeo e trazíamos um filme, uma comédia, um western ou um filme de acção. Creio que foi esse o Verão em que o meu avô e eu vimos o Sozinho em Casa quatro vezes. A rotina era interrompida pela ocasional ida ao cinema: numa sessão de Robim dos Bosques: Príncipe dos Ladrões, no defunto cinema da Batalha, uns adolescentes sentados no balcão divertiram-se a usar a careca do meu avô, sentado em baixo, como alvo de pipocas e cuspo. A minha avó e eu estávamos sentados mais à frente na sala e não nos apercebemos e quando, no final do filme, ele nos contou do sucedido, com a sua habitual pacatez, nós não conseguimos conter o riso.

E havia muito tempo para se estar sozinho, algo que já então eu amava. Podia perder-me na sombra do meu quarto a fazer desenhos, que depois a minha avó avaliaria, a brincar, e havia um novo livro de banda desenhada para saborear todos os dias. Durante esses dois meses os X-Men combateram tragicamente a Fénix Negra, o Homem Aranha uma série de inimigos – Duende Verde, Duende Macabro, o Homem de Areia –, cada qual mais exótico do que o outro, fui apresentado aos X-Force, o Destruidor e o Justiceiro tiveram uma série de encontros inconclusivos. Os dias eram longos, bons e saudáveis, a casa grande, e eu sentia-me seguro, rodeado por pessoas que me amavam, e que me incitavam a ser curioso e a seguir os meus interesses.

A minha avó morreu há dois anos, o meu avô há poucos meses. A ausência deles é sentida mais do que nunca no dia do meu aniversário. Todos os anos eles viajavam, do Porto a Almada, para estarem presentes, até a saúde deixar de o permitir.

Talvez o que de mais valioso fazemos na vida nasça de uma tentativa, nobre pela sua fidelidade, de reparar a memória de uma felicidade mitificada. Seria fácil, e um enorme cliché, dizer que o gesto é fútil. É fútil apenas na medida em que todos morremos. Estamos aqui e agora, agarramo-nos ao que podemos para continuar. Haverá muito tempo para morrer depois.

 

PS. Muito obrigado a todos pelas mensagens de parabéns. Espero que os envelopes com dinheiro que certamente enviaram cheguem depressa. Conto com eles para pagar a dívida que contraí hoje em banda desenhada.