Três poemas

melô da magrela

menina magrela
vestido de seda
espera a parada chegar 

existe 1festa
na sua cabeça
o ônibus samba ela dança 

sacode sem alarde
sacando de canto
o cara sentado no banco 

c/ os fones de ouvido
se esconde do alarme
do aviso de apertar os cintos 

cantando eterno só o inferno
eterno só o inferno meu bem
eterno só o inferno
eterno só o inferno meu bem

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Constança de Castela funga contra o castelo de cartas de Inês de Castro

A ela reservam as lendas de um trono
de amoníaco, quando
meus quadris é que o aqueceram vivos
e sei bem que não hão
de chorar em dez cantos o meu destino:
rejeitadas, não-quistas
jamais cederam material épico ou lírico
aos que usam quizilas
alheias como seu ácido acetilsalicílico,
sem vestir nossa cútis;
e ainda que meu inimigo faça, no futuro,
rainha de uma puta,
a minha vingança eu carreguei no buxo,
de minhas entranhas,
eu, Constança de Castela, expeli o único
a subir ao trono da nada
ancha faixa de terra a que chamam reino,
e com ou sem herdeiro
rirei com a sarna que me cobre na tumba
ao vê-los, tão inferiores,
primeiro cair em domínio de minha terra,
a de outrora, e, ao fim,
se tornarem quintal do FMI e da Europa
enquanto à tal espera
de que retorne, intacto de Alcácer-Quibir,
o que os tire do cárcere
que toma os que fazem, de puta, rainha.

vergonha

velhas palavras de doces à mesa, curtos
abraços apertados, tanto afeto. roseira
enlaçando paredes com tinta velha e musgo vivo:
nós nos damos aos outros liqüidamente. 

nós nos entregamos em pele, no pulso do peito,
nos espinhos que coroam a cabeça torta,
no olhar que penetra indiscreto ― e sem escolha
sobre ser indiscreto. composto equilíbrio, 

desvelo, coerência, nos custa o ser inteiro,
e não poroso, o ser um rosto e não disfarce:
mãos sem a perícia do cristal, mãos inexpertas,
de partir, da iminência cinza desse medo, 

desse mundo que não queima e vira pó
(e outro mundo após), desse mundo sempre
aquecido de constância e de saber, onde o terror
é o acrobata em risco de cair, é o raio cego 

que corta em dois o azul, com nuvens fechando
o semblante do céu, esse assassino de segredos.
nós temos joelhos e visão interna, temos amor
entornado do jarro delicado que se quebra.

temos vergonha. temos um dia que se encerra.

A perda está contida

poema de cavaloDada vulgo Reuben da Cunha Rocha

A perda está contida
na possibilidade da perda
está p/ quem a possui
como a coisa q tb possui
Caixa, pares de sapato
os graus da febre
Antes da ida a partida
E vemos o q vemos
como estrelas são vistas
do retrovisor do futuro
E se olhamos p/ fora
estamos olhando p/ trás
no tempo, através
da história
do universo e depois
dalg1 tempo
chegamos ao Big Bang

Sistema judiciário no patriarcado

Sempre da mulher a culpa e o crime,
como se diz que por Helena 
se queimou e saqueou Troy City,
e não por Menelau e os testículos 
de Agamémnon, que os criam 
mais valiosos que os filhos
de Hécuba, as filhas de Príamo.
Eis os egos machos dos gregos,
que cantamos até hoje 
como heroicos, sem hesitar, 
perante Polixena,
em vará-la o esterno ao meio,
pois seu sangue quente 
em veias e artérias
valia, é certo, muito menos
que o espectro frio de Aquiles,
sua destreza com objetos fálicos,
e quando enfim as contas do ábaco
pendem à hora e à vez de Hécuba
e cabe-lhe o momento da vingança,
mesmo ela transforma-se em cadela
(tenha ou não agido como rabid bitch)
por palavra de um alcoólatra, Dionísio,
não se esqueçam, também macho
-alfa, tanto quanto aquele Apolo
que atraíra os gregos e os troianos
para o mesmo espetáculo de sandice
do qual escaparam tão poucos,
um deles velejando por dez anos
dependente de outra que entra 
na história com fama de bitch, Circe.
Sempre da mulher a culpa e o crime.