«Fragmento Mítico», Louise Glück

Tradução de Nuno Quintas

 

 

Quando o firme deus
se abeirou de mim com a sua oferenda
o meu temor encantou-o
tanto que correu mais depressa
pela relva húmida, enquanto insistia,
para me louvar. Vi o cativeiro
no louvor; de encontro à lira,
implorei ao meu pai no mar
que me salvasse. Quando
o deus chegou, eu estava em parte nenhuma,
estava eterna numa árvore. Leitor,
tende piedade de Apolo: na margem da água,
virei-lhe costas, invoquei
o meu pai invisível — enquanto
me endurecia nos braços do deus,
do seu amplo amor
o meu pai mais
nenhum sinal fez da água.

 

 

Mythic Fragment

When the stern god
approached me with his gift
my fear enchanted him
so that he ran more quickly
through the wet grass, as he insisted,
to praise me. I saw captivity
in praise; against the lyre,
I begged my father in the sea
to save me. When
the god arrived, I was nowhere,
I was in a tree forever. Reader,
pity Apollo: at the water's edge,
I turned from him, I summoned
my invisible father—as
I stiffened in the god's arms,
of his encompassing love
my father made
no other sign from the water.

 

 

Louise Glück, The First Five Books of Poems (coletânea original: The Triumph of Achilles, 1985), Londres, Carcanet Press, 1997, p. 165.