Pedir para morrer

Deitei-me na cama e pedi para morrer, pedido estúpido, tinha oito anos, deseja-se cada coisa nessas idades. Morrer por ser feio. Pedi para morrer outras vezes, noutras idades. Por não ser belo, por ter nascido desprovido de inteligência, por não ser igual aos outros, por não ter pais como os outros, por não viver numa casa tão confortável como a dos outros. Atirei-me uma vez ao rio e deixei-me levar. Para a morte, pensava. Deixei-me levar para lado nenhum. Agarrei-me a um tronco e sobrevivi. Quinze anos. Um desgosto amoroso levou-me, aos dezoito, a cortar os pulsos, não a cortar os pulsos, a passar com uma faca ao de leve pela pele. Chorei, ridículo, ao som da mesma música pirosa durante várias horas. Recordava as palavras da moça. Ficamos amigos, sem ressentimentos, conversamos pouco, falas quase nada, és chato, serves para me enfiares a língua na boca e mais nada. Ontem deitei-me na cama e, por razão nenhuma, pedi para morrer. Como se houvesse alguém que mandasse no mundo que pudesse desligar o interruptor da minha vida, como se fosse possível dizer morre e morrer. Não temo a morte, temo dar prejuízo a quem fica. Sujar o quarto com um tiro, manchar os lençóis de sangue. Chamarem os bombeiros por minha causa. Verem-me, enojados, o corpo morto. Enterrarem-me. Não aprecio nada a ideia de ser um estorvo depois de morto. Se pudesse morrer sem dar trabalho aos vivos, sem incomodá-los, seria isso que faria. Se me enforcasse e o meu corpo desaparecesse quando o coração deixasse de bater, não hesitaria. Infelizmente, o corpo fica para ser enterrado e, como rapaz bem comportado que sou, não me mato, atiro-me para a cama e peço para morrer, sabendo que não morrerei antes da altura certa, quando o destino ou a natureza ou uma doença qualquer me decidir aliviar deste martírio que é respirar e carregar um poço carregado de estrume negro. Passo por arrogante. Uma mulher apelidou-me de arrogante depois de lhe ter grunhido duas frases. Fi-la chorar com essas duas frases, não me lembro do que lhe disse, mas deve ter sido algo horrível, para fazê-la chorar, devo ter sido arrogante. Passo por arrogante por ser arrogante, tenho os olhos virados para dentro e apenas ouço o mundo exterior depois de falar, de fazer asneira. O arrependimento não cura. Olhar para o tecto, culpando-me por ter dito isto ou aquilo, por ter feito alguém chorar, por ser uma besta, isso não me salva. Deveria ter nascido com um botão que me permitisse morrer. A vida, lamentável vida, deprimente vida, tornou-me um animal, e é como animal que gostaria de ser visto, como um animal destituído de sentimentos, de emoções. Preferia que, em vez de me apelidarem de arrogante ou de chorarem, fingissem que não existo, que não estou presente, que morri. Deito-me na cama, peço para morrer, há quem diga que isto não é vontade de morrer, que desejo ser salvo, mas não é verdade, não desejo ser salvo, desejo fechar os olhos e ser tragado pela escuridão eterna.