FALÉSIAS

Lembra-me uma estátua de Afrodite
afogada – ruína intocada
de um cemitério que permaneceu
submerso enquanto o vento
soprava falésias e do areal apagava
os nossos passos; como se,
devido a um acidente climático,
um mar secasse e revelasse o que jaz:
a ossada de um navio naufragado
e também você, devolvida a mim
como os mortos de Pompéia.

Está próxima. Escuto-a a respirar
mas chego a temer o impulso
de acariciá-la como se o seu abrir de olhos
fosse transformá-la numa destas criaturas
que um deus desfez em sal para a purgação
de uma sede malsã. Vejo-a. Escuto-a
e pesa a suspeita – mármore
sobre o peito – de também estar submerso.
Ouço-a e depois o vento sobre a erva rasteira
pelas alamedas do condomínio.
No outro lado da parede, irrompe
um choro de criança. É o térreo.
A escada aos andares de cima
está sobre o teto e cada passo
ressoa como que vindo da madrugada absoluta.
A insônia é uma encruzilhada de rios
que lentamente secam: o ontem
ainda preso à pele, mas não como cicatriz,
não como gota de orvalho – na superfície
da epiderme como algo banal (outra nódoa
de gordura no casado puído)
enquanto velo o seu torso a se encher
e a se esvaziar: seguidamente, inesgotavelmente,
como se a mim fosse dado contemplar, grão
após grão, como se forma o infindo areal
em que nos achamos.