Cinismos

 Caspar_de_Crayer_Alexander_and_Diogenes, séc. XVII

 

Caspar_de_Crayer_Alexander_and_Diogenes, séc. XVII

O que hoje entendemos por “cinismo” tem pouco que ver com o cinismo grego antigo (daí alguns alemães usarem dois termos: “Zynismus”, para o contemporâneo; “Kynismus” para o antigo).

Enquanto Diógenes o Cínico dizia (é indiferente ser lenda ou facto histórico) a Alexandre o Grande – depois de este se oferecer para satisfazer qualquer um dos seus desejos – “Tira-te do meu sol!”, os cínicos actuais aspiram eles próprios a “um lugar ao sol”. Como refere Peter Sloterdijk, “a única coisa que têm na cabeça é baterem-se cinicamente – abertamente, sem tréguas – pelos bens deste mundo, coisa de que Diógenes zombava.” (Crítica da Razão Cínica)

O Kinismo (sigamos o exemplo alemão) foi uma filosofia, acoplada a certos modos de vida (mas, ao contrário do que muitos crêem, sem fazer a apologia simples de uma existência cândida e pitoresca), que desenvolveu o pensamento crítico e irónico mais potente da história. Pôs em causa toda a plêiada de necessidades que vão aparecendo (de fora e de dentro) para nos escravizar, fez uma radiografia crítica da desmesura e do supérfluo. Por isso terá dito que o ensinamento que retirou da filosofia foi o de estar preparado para todas as reviravoltas do destino, não se prendendo, pois, a nada.

Se Diógenes viesse visitar-nos, em vez de nos incomodar (como era seu hábito), ficaria ele perturbado: ensinou-nos, sem pedagogias especiais, a estarmos prontos para tudo, mas  mostramos-lhe que o nosso cinismo é o dos vitimistas materialistas, curvados sobre si mesmos, encaracolados, sem cura possível.