Senta-te nessa cadeira, não tenhas medo, não te vou fazer mal. Não estou zangado contigo, não te preocupes. Estou apenas um pouco desiludido, não esperava isto. Não esperava que traísses a minha confiança desta maneira. Não estou chateado. Sabes o que provocaste, correcto? Pensaste nas consequências? Diz-me, pensaste? Sabias o que podia acontecer? O que iria acontecer se abrisses a boca? É importante prevermos o que podemos causar se dissermos certas coisas, se fizermos certas coisas. A isso chama-se responsabilidade e tu já és crescido. Com onze anos tens de sentir o que é a responsabilidade. Não tens desculpa, já não és uma criança. Tens idade para compreender as consequências. Tens idade para pensar por ti mesmo. Pensaste? Pensaste antes de falar com a tua mãe? Ponderaste? Colocaste em perspectiva? Hesitaste? Não estou chateado contigo, apenas desiludido. Esperava lealdade da tua parte. Sabes o que isso é? Esperava que não me traísses desta forma, que não me deixasses ser apanhado desprevenido, completamente de surpresa. Falei contigo, fui sincero contigo. Confiava cegamente em ti. Não estou chateado, mas penso que agiste mal, que fizeste a coisa errada. Não entendeste que nem sempre a verdade é o melhor caminho. Não entendeste que a mentira é necessária, tão necessária quanto a verdade. Tens uma ideia muito formatada do mundo - o bem e o mal, o certo e o errado e essas tangas que passas a vida a ouvir nas aulas, na televisão e na boca da tua mãe. Aposto que ela pressionou-te, que ela puxou por ti. Chantageou-te e cedeste. Já não tens idade para ir atrás da conversa dela, mas foste. Achaste que estavas a fazer o bem, quando estavas apenas a destruir algo bonito, algo que era muito bonito, mas que não estava bem, não estava temporariamente bem. Se tivesses acreditado em mim, em breve tudo voltaria a ser como era quando tudo estava bem. Não esperaste, foste impaciente e agora estamos os dois na merda. Não estou chateado contigo, não posso estar chateado contigo. Julgaste que estavas a fazer o bem, tomaste um partido, o partido da pessoa que achaste que estava a sofrer. Fizeste-o em consciência? É só nisso que tens de pensar. O resto é duro, mas todos nós nos habituamos. Vais ver que sim.

Não desligues, deixa-me falar contigo, espera, dá-me só uns minutos. Estás a ouvir-me? Sim? Olha, não te preocupes, não te preocupes mesmo. Tudo tem o seu fim, a vida é mesmo assim. O casamento dos teus pais já não andava bem, não podia andar. Quando conheci o teu pai, ele era um homem triste, infeliz, que não sabia o que se passava com a tua mãe. Ela faz coisas que ninguém compreende, não achas? Eu sei que ela é tua mãe, mas tens de admitir que o que ela faz é muito difícil de aguentar sem perder a cabeça. E o teu pai nunca a perdeu, sempre tratou-a muito bem. Não penses que ele fez tudo isto para a magoar. Percebes que ele sentia muita culpa? Há um fim para tudo... Ele não podia aguentar mais. Sentia-se muito sozinho. Foi por isso que nos conhecemos. Foi por ele se sentir sozinho que me encontrou, não achas? Nada acontece sem haver uma razão, entende isso. Nada acontece porque sim. A tua mãe não queria saber do teu pai, só se preocupava com as suas paranoias. O teu pai contou-me cada coisa de brandar aos céus. O que esperavas que ele fizesse? Que vivesse infeliz o resto da vida? Casa-trabalho-casa-trabalho e nem um pouco de felicidade? Era isso que querias para o teu pai? Não te preocupes, querido. Tudo vai ficar bem, confia em mim. O teu pai está muito magoado, mas vou falar com ele, vou dizer-lhe que tu és um bom menino e que não fizeste por mal. Dá-lhe um tempo, deixa-o recuperar em paz. Vais ver que ele te perdoa. Eu vou falar com ele, vou dizer-lhe para te deixar vir dormir a nossa casa sempre que quiseres. Podes vir todos os fins-de-semana. Podes vir sempre que quiseres. Faço-te um bolo. Sei que gostas muito de bolos. Ele disse-me. És guloso, tal como ele. Aposto que gostas de bolo de chocolate e noz. Aposto que vais gostar do meu bolo de chocolate e noz.

Não quero que voltes a falar com ela. Não quero saber o que ela te disse. Não quero que voltes a falar com ela. Não posso consentir que o meu filho fale com a mulher que ajudou a destruir o meu casamento. Não posso permitir isso, não tenhas ideias, tu nunca mais vais falar com ela. Ela não é tua amiga, ela faz- nos mal, percebes? Vais ignorá-la sempre que quiser falar contigo. Diz-lhe para vir falar comigo, que não tens autorização para falar com ela. Que ela fale comigo que vai ver como elas mordem. Não voltes a falar com ela, ouviste? Levanta a cabeça, não fiques assim. Só preciso que me prometas que não voltas a falar com ela. O teu pai que faça o que quiser, agora é livre para fazer o que quiser e aposto que se vai meter na casa dela. Ele não se portou bem comigo, nem contigo. Não te sintas culpado, ele é o único culpado, foi ele quem causou tudo isto. Agora somos livres. Não te sintas culpado, nunca te sintas culpado. Fizeste a coisa certa, fizeste mesmo a coisa certa. Acredita que doeu muito ouvir o que me contaste, mas estou feliz por teres contado, por teres estado ao meu lado. Agora sei que nunca me faltarás, independentemente de quem me quiser fazer mal. Isso é tão bom, não imaginas. É tão bom saber que o meu menino gosta de mim. Não chores, não vale a pena chorar, agora somos só nós, só nós dois e mais ninguém nos fará mal. Vamos ser muito unidos e assim mais ninguém nos fará mal. Ninguém me fará chorar como ele fez e não vou deixar que ninguém te faça chorar como estás a chorar agora. Ouviste? Eu sei que posso confiar em ti, eu sei que és um bom rapaz, que gostas da mãe como a mãe gosta de ti. É tão bom, não é? Abraça-me, dá-me um abraço, não chores mais, não vale a pena, vamos estar sempre juntos.