Luiza Neto Jorge
/(A partir do filme de João Roque para a RTP, 1982)
Resta o espaço aberto na parede para a escrita
da infância, da ferrugem
A música a chiar como fogueira
triunfal, a alumiar o cerzir-meias,
a pobreza e os finos pulsos de gato
em que lambes as cinzas
A moldura humana oxida. O teu rosto
apela à dissidência, deixa expostos
os fios do circuito, o pressuroso e fundo sinal –
raiz na oval do cérebro –, e todos os poemas
te fecham sob a agulha
e sob as pálpebras
Dizem que é má a sonoplastia nacional –
afogamentos, um assobio de vozes
submergidas
Assim, por erro técnico, desencadeia-se
uma possibilidade: a criança e o livro
aberto na terceira dimensão, tu,
na sombra geológica da perdida plumagem,
o animal que mais te lembra é o pavão,
o de mil olhos depostos fazendo
da curiosidade resguardo
e manutenção
Nesse ângulo irrealizável
explicas – bizarria sem vaidade –
o que a vida excede no mistério
do teu último poema