ESTUDOS PARA O FOGO
/outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora
Carlos Drummond de Andrade
p/ waltencir oliveira
1.
nada à água se consome
tanto só ao fogo
como faminto filho
que ao envolver macera
em trabalho dessimétrico
o ventre da mãe
e de turva face parido
ascende em invulgar gesto ambíguo
2.
como desejo e morte
animais de sua fisionomia
seu ágil corpo é
de violência vestido
sendo impossível divisar
aquilo que engendra
do que em si aniquila
qual terço se reza
mensagens de pele
que de sua própria
ao invocar-se se livra
3.
mas ao corpo do fogo
aceso e abcesso só
seus contrários aderem
e as iguarias que ingere
no duro intestino são
seus abismos suas falhas
porque de inconciliáveis feita
é sua sede convulsiva
de findando desfindar
e é de sede convulsiva
sua atração núbil do fim
seu numinoso querer
de sede brutal faiscante
que dilata a necessidade
de tal desfecho perseguido
4.
ígnea fábrica de espelhos
que gera no engenho de si
sempre em si o seu inverso
igual que como às estátuas
que de plateias em pressa
carregam todos seus gestos
igual que como o infinito
que corrói com rachaduras
a didática dos números
igual também que como à
imagem que a outro fogo
irmão é lançada e a outros
fogos espelhos contrários
que por mais cruzada vai
sendo de si refratada
daquela imagem primária
de ruína inacessível
perdendo-se o fio da meada
que o fogo é como a navalha
de extrema ambiguidade a
conciliar na vida a morte
*
Ernesto von Artixzffski é o pseudónimo de Sergio Maciel.