Salas de música, chávenas de café, outras coisas
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Esta rua está cheia de músicos. É um facto que se torna evidente por volta das oito da manhã, quando o vizinho do lado toca os primeiros acordes no piano, ou quando às vezes ao fim do dia se pode ouvir o coro de St. Matthew’s, a igreja em frente. Leonard Cohen canta em Famous Blue Raincoat, New York is cold, but I like where I’m living, there’s music on Clinton street all through the evening. Também esta rua se enche de música ao fim da tarde. E há vários músicos nestas casas, as traseiras dão para jardins com macieiras cujos ramos, durante boa parte do ano, estão pesados de maçãs, num bairro construído de tijolos, ocre e castanho. A princípio esta harmonia na cor não se reconhece logo, gatos de pêlo hirsuto pontuam a paisagem, e estendem-se ao longo dos muros das casas dos músicos, sendo de vez em quando perturbados por um acorde mais dissonante.
Um sábio chinês uma vez disse que os humanos precisavam da harmonia da música para serem humanos, ou algo deste género. Investigando este sábio chinês, descubro que um sino da época em que ele viveu (há dezenas de séculos) se conserva no British Museum. Pergunto a um entendido como soa o sino dessa época. Ele diz-me que não é um som nada agradável: a passagem do tempo degradou o material. Sinos tinham toda outra espécie de usos na China deste sábio. Podiam servir como contrapeso, permitindo assim calcular o peso exacto de qualquer objecto numa transacção comercial. Fazê-los tilintar perto de um objecto permitia que, pela amplitude das ondas sonoras, se determinasse o volume desse objecto. E há, claro, a harmonia dos sinos, que só apareceram na Europa séculos mais tarde e que enchem as ruas da cidade e dobram por rituais que por vezes desconheço. Um dia de chuva, no Inverno, à tarde, quando anoitece cedo e o som dos sinos enche a rua principal, ora aí está uma coisa que mete respeito. De onde vem esta impressão? No dobrar dos sinos esconde-se um sentido de comunidade. Mesmo uma pessoa que não seja daqui, de repente vê-se, envolvida como todos os outros, na experiência do som. Por entre as caras há uma que te vê assim como estás, parado e surpreendido, e te sorri e tu sorris de volta. Isto é uma impressão agradável: o equilíbrio momentâneo da cumplicidade entre estranhos. Ou caminhar no escuro com o som dos sinos, seguindo as luzes reflectoras da mochila do marido, que caminha um pouco à nossa frente.
A partir de certo momento, os sinos na rua, os músicos dentro das casas, o eco do coro de dentro da igreja não bastam, e é aí que damos por nós a comprar um bilhete para um concerto com outros instrumentos que não vozes ou sinos. A sala de concertos para música de câmara mais antiga da Europa, concebida especificamente para esse propósito, fica em Oxford, em Holywell Street, e pode ser que a ideia do sábio chinês acerca da relação entre música, humanos e o conceito mais geral de humanidade encontre expressão no facto de que a Holywell Music Room foi construída em 1742 por subscrição pública. Não só a ideia de que uma comunidade inteira se juntou para pagar a construção de um lugar onde ouvir música é um sinal do apreço dos humanos por esta actividade, mas esta ideia é tanto mais notável porque a iniciativa de construir a sala nasceu na Universidade e, como quem vive aqui bem sabe, a tradição é a de que as relações entre os habitantes da cidade e a Universidade nem sempre foram – e nem sempre são – as mais cordiais. A cidade está cheia de pontos de dissonância, onde os habitantes perdem facilmente a paciência com os estudantes. Os pubs, claro, são os lugares por excelência desta dissonância e, em alguns casos, há firmes demarcações de território. Uma particularidade de Oxford é que uma percentagem gigantesca do território da cidade está fechada por detrás dos muros dos colégios, onde quem quer que não pertença a esse colégio em particular tem a entrada ou simplesmente vedada ou cuidadosamente fiscalizada. Neste sentido, com a sua aparência democrática, a Holywell Music Room é um lugar excepcional.
A primeira regra da sala é que não existem lugares marcados e o preço dos bilhetes é o mesmo para todos, ainda que para os Sunday Coffee Concerts haja uma pequena excepção. Algumas das pessoas que aqui estão quase todos os domingos de manhã, a partir das 11.15 da manhã, frequentam estes concertos há 30 anos, algumas delas envelheceram a vir aqui, e a organização reserva-lhes o lugar que elas preferem.
O bilhete, que custa 12£ para o público em geral e que tem um desconto de 1£ para estudantes e idosos, oferece-nos um café ou no Vaults & Garden Caffè ou no King’s Arms e a população que assiste ao concerto divide-se entre estes dois cafés de uma maneira que não é aleatória. O Vaults & Garden é o café que fica dentro da Old Congregation House, construída em 1320 e que é o lugar onde o conselho da Universidade originalmente se reunia, à data da fundação da Universidade. Ora, a fundação da universidade é eclesiástica, e a Old Congregation House é um anexo que pertence à igreja de St. Mary the Virgin, que também é propriedade da universidade e que fica exactamente no centro de Oxford, em frente a uma das bibliotecas principais, a Radcliffe Camera. Em época de exames, como em quase todos os edifícios da Universidade que possuem uma torre, os estudantes estão proibidos de subir à torre de St. Mary, não vá dar-se o caso de estes estudantes simpatizarem demasiado com a ideia de Thomas Bernhard de que a educação pode ser uma forma de aniquilação para o indivíduo.
Além da localização, o Vaults & Garden tem outros motivos de interesse. É um dos poucos lugares em Oxford onde se pode comer uma refeição barata e de qualidade bastante razoável, uma coisa que os turistas que aqui chegam raramente descobrem, porque se é de comida barata que estão à procura correm para os restaurantes de fast food de Cornmarket ou para o Four Candles, um pub não muito longe dessa rua e não muito longe da estação de autocarro. Cerveja barata, english breakfast a 5£ e estudantes bêbados mais ou menos a qualquer hora do dia são três promessas que o Four Candles oferece aos seus clientes. Outra, não tão óbvia como as primeiras três, é que não é um mau sítio para comer nachos e beber ale ou cidra enquanto se vê futebol.
Nachos e futebol à parte, este pub é um ponto de encontro e despedida, e Oxford é uma cidade regida pela mão invisível que às vezes muito aleatoriamente nos atira uma dessas duas sortes: há sempre alguém novo e sempre alguém que está prestes a ir-se embora. Vim aqui a demasiadas festas de despedida de amigos para poder verdadeiramente simpatizar com este sítio. Até à estação de autocarros é uma caminhada de 200 metros e não é raro ver um grupo que se junta para a última cerveja antes da última corrida até à estação de autocarro, ajudando a arrastar sacos e malas, e aí invariavelmente o autocarro é o The Airliner (Gatwick, Heathrow) ou o National Express 737 (Luton, Stansted). Um coro de gente bêbada e vagamente chorosa, por vezes aos gritos ou a rir-se debaixo da chuva torrencial, casacos, chapéus de chuva, malas, mochilas, maletas, sapatilhas debaixo do braço, chão esburacado e lama e depois um abraço demorado, risos, e depois silêncio, cara composta, e depois o motorista do autocarro berra, “Ói, lóve! North terminal or south?”, e aí conversa acabada. Nós, que somos leitores, podíamos citar aqui os poetas, invocar a protecção da ironia e era aqui mesmo que íamos deixar cair aqueles versos, Billy Collins, “Aimless Love”, “but my heart is always restless, always ready for the next arrow,” e é então que entendemos que nenhuma protecção é possível, e que nunca vai haver elegia que nos valha, apenas tentarmos aprender bem a alegria das chegadas, os rituais por que ela se anuncia, o trabalho planeado das longas viagens, das conversas que se arrastam noite fora e que nunca vão durar que chegue, e vão ficar sempre em suspenso, as conversas que podemos ter apenas com os melhores amigos.
O público dos coffee concerts que frequenta o Vaults & Garden é essencialmente de três tipos, os turistas, que são sempre mais ou menos um corpo estranho aos concertos (há, claro, um núcleo de habitués, caras conhecidas que se repetem mais ou menos todas as semanas), os madrugadores (o Vaults & Garden abre mais cedo do que o King’s Arms), e aqueles que assistem à missa e, um pouco mais tarde, ao concerto.
Mas nós não vamos à missa, o nosso ritual é mesmo a música, e raramente madrugamos ao domingo, por isso quase nunca pomos os pés no Vaults & Garden, e é ao King’s Arms que nos dirigimos. O King’s Arms é contíguo ao Wadham College (uma das salas do pub chama-se mesmo Wadham Room) e as paredes estão forradas de fotografias de Graduation Ceremonies de sucessivos anos e é preciso fazer um esforço para não nos sentirmos perturbados por uma das fotografias que ocupa o lugar de destaque, a do (então jovem) príncipe Carlos num fato cinzento a tirar um pint de cerveja. Da primeira vez que entrei no pub olhei para o fotografia de relance e, por qualquer lapso freudiano, pareceu-me que se tratava de uma imagem de George W. Bush. Desfeito o engano, há apenas uma fotografia em que não estou certa de não constar uma imagem de um político americano famoso: uma das fotografias mostra um grupo de rapazes e raparigas a comer pies e uma das raparigas parece-se bastante com a jovem Hillary Clinton, se bem que quem conhece os pubs de Oxford sabe que este não é o pub certo para procurar memorabilia do tempo em que Bill Clinton foi Rhodes Scholar em Oxford, mas não se está longe, é andar uns trezentos metros por Holywell Street, e virar à esquerda na placa que anuncia a Turf Tavern (sem a existência desta placa o lugar nunca seria encontrado). Uma outra placa dentro do pub disputa a possibilidade de Clinton ter travado um charro na década de ’60, neste mesmo pub. É um pub que não me agrada particularmente porque normalmente está cheio de estudantes e turistas, as cervejas são bastante comerciais (numa cidade que tem uma tradição que nunca mais acaba de produzir cervejas artesanais e onde existem uma série de marcas locais) e a comida tem exactamente o mesmo tipo de sabor do café que ali se serve – e isto não é um elogio.
No King’s Arms o café que nos servem com o bilhete do concerto é café de filtro, café com nostalgia de chá, e se a mentalidade portuguesa a princípio sente isto como uma ofensa, uma das coisas que esta cidade aos poucos nos tira é o hábito de beber expresso – o melhor sítio para beber esse tipo de café talvez sejam os cafés dos árabes e dos libaneses em Cowley ou o The Missing Bean em Turl Street, um daqueles lugares em que a oferta apareceu por causa da procura, porque é uma das várias coffee shops que ficam a apenas um quarteirão de distância da Bodleian, a principal biblioteca da universidade. A diferença entre o The Missing Bean e quase todos os outros (com excepção da Turl Street Kitchen), é que posto entre uma loja de brinquedos (e de toda a espécie de bugigangas de colecção) e uma livraria em segunda mão, de alguma forma ela ocupa o ponto "entre" na paisagem do imaginário da infância e da juventude. E se vos está a passar pela cabeça que me esqueci de mencionar o café dos Portugueses em Covered Market (não muito longe do The Missing Bean), que tem um aspecto de dinner e se chama Brown’s Caffè (?), tirem daí o sentido, não só o café não é melhor do que o do The Missing Bean, como nos vamos sentir ofendidos pelo pastel de nata que, por reflexo condicionado, não conseguimos deixar de comprar com o café. Se é de um café e de um pastel de nata que estamos à procura, mais vale pedalarmos a distância razoável até quase ao fim de Abingdon Road e irmos ao AkiPort Shop & Café. O espaço é tal e qual aquilo que o nome promete, mais a impressão que a década de oitenta entre os Portugueses vai viver para sempre. Homens de bigode e permanente, criancinhas de vestidos de algodão cor-de-rosa e de brincos de ouro e louras platinadas de argolas nas orelhas e vários anéis nos dedos. O café é Camelo (nunca o nome da marca foi tão adequado) e é bem possível que este seja o melhor sítio para comer pastéis de nata 1400 milhas a norte de Lisboa.
No King’s Arms, antes do concerto, bebemos café com o G. e com a S. Ele é professor na universidade e é comum viajar durante a semana. A última viagem dele foi à Índia, e explica-nos que os bairros pobres de Delhi não são piores do que os que ele viu em Atenas. Má nutrição, poluição, doenças endémicas e uma esperança de vida que não ultrapassa os cinquenta anos de idade. A diferença básica, assim posta enquanto o café nos aquece as mãos, entre ricos e pobres nas nossas sociedades mais igualitárias.
Uma das coisas que ninguém nos explica quando compramos um bilhete para o concerto é que há dois espectáculos para serem vistos. A música por um lado e o modo como as pessoas reagem à música por outro. A sala é um semicírculo, de modo que, a parte da plateia que não fica diante do palco, fica de frente para o outro lado da plateia e de lado para o palco. Há três anos que é sempre a mesma pessoa que nos entrega o nosso bilhete na bilheteira (fica reservado de semana a semana) e eu não sei o nome dele, mas ele encontra sempre os nossos bilhetes sem que seja preciso indicar nome, morada ou mostrar-lhe um documento de identificação. Exceptuando nas alturas em que somos nós a viajar, ele está aqui sempre, de semana a semana, e em três anos, houve apenas uma semana em que não foi ele a entregar-nos o bilhete. Ele tem, claro, sempre uma piada acerca do tempo. Na Primavera pergunta-nos por que é que com este tempo viemos ao concerto, no Inverno diz-nos que o tempo está magnífico e não entende porque não ficamos lá fora. Às vezes, há situações que inesperadamente continuam de uma semana para a outra. Como quando há três semanas um homem vestido com um fato preto e uma gabardine preta distribuía panfletos para o concerto da British Chamber Orchestra no Sheldonian (o hall de cerimónias oficiais da Universidade, que na verdade funciona como tudo, como sala de conferências, de teatro, de ópera e, claro, de concertos). A S. aceitou o panfleto e não pôde deixar de fazer notar ao músico que ele parecia um mórmon. Na semana seguinte era uma mulher que distribuía os panfletos da British Chamber Orchestra, entregou-nos um, queixando-se que na semana anterior alguém fizera notar que o marido dela parecia um mórmon.
Não me lembro do que ouvi da primeira vez que aqui estive. Uma coisa, no entanto, é sempre evidente. As expressões nas caras das pessoas entram no humor da harmonia. Há as pessoas que fecham os olhos aos primeiros acordes e só os abrem no fim, há os chorosos, puxando dos lenços a cada intervalo entre cada movimento, há os que ouvem atentamente, com um semblante judicioso, há o sósia do J. M Coetzee que se senta no último lugar na fila de cima na ala esquerda e que encosta a cabeça à parede, virando-a ligeiramente para cima, à procura de alguma coisa que se atrasa todas as semanas. Suspeito que uma vez o Noam Chomsky estava na sala (olhos fechados, se era ele, é daqueles que segue o ritmo com o corpo). Há a estudante de música chinesa, que tira apontamentos e por vezes contempla os músicos com um ramo de flores (o músico favorito dela é de longe o violinista australiano Ben Baker). Nos meses em que estava a acabar o doutoramento este lugar foi um dos poucos sítios em que podia vir para parar de pensar em Homero. O tempo suspende-se e só existem os músicos com o seu ofício. E a música é uma arte que exige mais exposição: esta nota não pode ser repetida, ou a nota em falta não pode voltar a ser inserida. Algumas coisas que perdi ou julgava que tinha perdido têm-me sido inesperadamente devolvidas nesta sala, como coisas que são varridas para a costa depois de um naufrágio. Aqui, sentada na terceira fila, do lado direito de quem entra, tenho, semana a semana ocupado inteiramente o meu naufrágio, tentado conviver com a dura respiração da minha impaciência. E se esta fome branca que rói o peito do ouvinte se apazigua ao ouvir o segundo ou o terceiro andamento da Sonata para Arpeggione de Schubert, isto não chegou antes de aprendermos que se alguma peça de música pudesse ser a Ilíada, podia muito bem ser o quarto andamento do Quarteto para Cordas n.º 4 de Shostakovich.
Já que mencionei a Ilíada, se vocês alguma vez se perguntaram se existe neste mundo um pianista que seja o sósia do Frederico Lourenço, a resposta é sim. E é um dos pianistas mais talentosos da actualidade, Tom Poster. Ouvi-lo tocar Schubert ou Gershwin é o máximo de valor que vocês alguma vez vão receber por um investimento de 12£ (11£ se forem estudantes ou tiverem mais de 60 anos).
Mas voltando a Shostakovich, é preciso falar da primeira vez que aqui ouvimos alguma coisa dele. E isso foi o Quarteto para Cordas n.º 8. Talvez o concerto para cordas mais amado de Shostakovich, é tocado mais vezes do que todos os outros quartetos juntos, e foi um quarteto composto fora da Rússia, em Dresden, escrito em 1960, depois de ele ter visto a destruição que a Segunda Guerra trouxe à cidade (o quarteto está dedicado às vítimas do fascismo e da guerra). Depois da morte de Shostakovich descobriu-se ainda que o quarteto foi composto com um pendor altamente biográfico, e é o quarteto que acaba por revelar a faceta de dissidente do compositor. Não que o mesmo não pudesse ser dito de outros quartetos, como é o caso do n.º 4. Há uma anedota que se conta de como os membros do Quarteto Beethoven (os músicos que trabalhavam regularmente com Shostakovich) tocaram duas vezes essa peça perante a censura e das duas vezes ela não foi aprovada.
Mas há qualquer coisa acerca do oitavo quarteto que não foi pensada apenas para quem tem uma atracção por ouvir música potencialmente muito deprimente a um domingo de manhã. Se pensarmos no quarteto como uma peça biográfica, como uma forma de vida, a nossa relação com ele muda. Em alguns momentos é uma paisagem de terror, de completa impotência, e no entanto, das intuições menos evidentes, há uma exploração de resiliência, isso de que Bellow fala em As Aventuras de Augie March, quando ele diz que pensar não chega para salvar a vida ou a alma, mas o mínimo dos prémios de consolação que isso nos dá é o mundo. E isso é este quarteto de Shostakovich.
Há outras coisas que Shostakovich pode fazer pela nossa imaginação. Se alguma vez se perguntaram como seria ouvir uma sessão de Jazz no inferno, o Quarteto para Cordas n.º 13 vai dar-vos isso. E se uma sessão de Jazz no inferno por algum motivo vos faz pensar na Rússia de hoje, então temos uma certeza básica para acrescentar àquilo que imaginámos ser o universo de crenças de Shostakovich: nada na música é inofensivo, nada é desarticulado do humano, e assim que nos encaminhamos para o último acorde, e os músicos afastam cuidadosamente os arcos dos instrumentos, como especialistas que tivessem acabado de desactivar uma bomba, e o aplauso da sala cai sobre eles (se gostaram mesmo muito, não se levantem, a lei do lugar é que se bata os pés), a única coisa que podemos fazer é estarmos um pouco mais vivos do que estávamos antes, capazes de entrever o que dá para fazer com um pouco mais de amplitude e harmonia, músicos que abandonam o palco, portas que se fecham nas nossas costas, tudo tão cuidadosamente tecido que agora até somos capazes de perdoar as notas que não estavam lá, ou a insuficiência das nossas - corpos sozinhos a sério, armados com as suas ressonâncias.