Entre poesia e filosofia
/Diz-nos Filomena Molder: “Muitas vezes, as associações entre as palavras correspondem a apelos das próprias palavras, o filósofo, porém, não pode deixar-se conduzir por esses apelos como o faz o poeta, não é esse o seu ofício”. (As Nuvens e o Vaso Sagrado, 2014, p. 22)
Talvez tenha razão [claro que tem razão, a razão, segundo Descartes, é a “coisa mais bem distribuída do mundo”, já que ninguém, ao contrário do que acontece com o dinheiro e a saúde, por exemplo, pede mais do que a que tem], o filósofo usa as palavras para mostrar, ou, mais raramente, criar algo que as ultrapassa, que existe antes delas e chega mesmo a rir-se delas [cuja altivez é uma forma de camuflar as terríveis insuficiências que minam a ambição de dizer tudo e de forma clara]. Mas é ao mesmo tempo esta distância entre as palavras e os referentes e significantes (os primeiros mais empíricos, os segundos mais metafísicos, “corpo” e “belo”, por exemplo) que define o verdadeiro “ofício” do filósofo, é nesta fenda que tudo se joga, obrigando a uma vida de Janus aplicada ao sentido, em vez do tempo (que também é condição de sentido, diga-se). É por isso que é preciso amar a sobriedade e os frequentes fracassos do vaivém filosófico.
De outra forma, e noutras nuvens, o poeta sabe que as palavras, às vezes as letras, são rizomáticas, que de uma nascem outras, e depois outras e outras, mais ou menos ligadas, levando o poema a colonizar (talvez cultivar) a folha, grafema a grafema, sem saber onde pode, ou deve, parar. Há uma força incontrolável em cada palavra do poeta, a força que arrebata os leitores (também os inquieta, é verdade), desarranja a gramática, curto-circuita os sentidos gastos..., mas igualmente uma força vital que num superior hermafroditismo faz nascer palavras de palavras, com a calma de uma gestação responsável ou na vertigem frenética de variações e prolongamentos explosivos. É por isso que é preciso dançar, mesmo sem talento, com a poesia.