Nota de leitura (4)
/Falo para ti à escuta.
As palavras escondem-se, não ouças
mais do que este rosto sonoro.
Como se a represa mostrasse
musgo, ramos podres, rãs,
folhas surgem dentro da casa.
Não a vejas.
À sombra do meu olhar
o que tiver de ser.
Joaquim Manuel Magalhães, Consequência do Lugar, Relógio D’Água, 2001, p. 17.
Joaquim Manuel Magalhães é, sem dúvida, a verdadeira "angústia da influência" para muitos dos poetas nascidos na década de 70 e alguns da década de 60: ou escrever a "favor" ou "contra". O outro também é Herberto Helder. Ao reler os poemas inseridos em Consequência do Lugar, sinto que existe uma grande afinidade entre uma grande parte dos poemas e os de Paul Celan (afinidade essa que teve,quanto a mim, o seu ponto culminante no volume Um Toldo Vermelho). Poderei estar enganado, mas é o que sinto, quer no tom, mas também na economia das palavras, onde certos poemas adquirem um estilo quase epigramático, embora carregados de significado. No exemplo apresentado, a questão da universalidade já não se coloca, tento em conta a enorme subjectividade que o poema encerra. Contudo, a “falta” de universalidade não rouba mérito ao poema ou ao poeta, apenas torna a sua “influência” um pouco mais limitada. E quando digo “influência” refiro-me apenas ao alcance que o poema poderá ter. Sei que talvez esta seja uma maneira bastante maniqueísta de “ler” um poema. Mas também não estou a dizer que é a única.