A Construção da Morte (nota de leitura)

Edição de 23 exemplares

Edição de 23 exemplares

Neste novo trabalho, Eduardo Quina vai aperfeiçoando o seu talento de poeta, a cada novo livro projecta melhor a sua voz. Desta vez, retomando temas anteriores (que são tanto vibrações como territórios discursivos) – a meta-poesia, a morte, a vida, a criação, o pecado, o desespero, a loucura, o eterno retorno, deus, a identidade –, emula-se com Herberto Helder, todos os poemas lhe são fiéis, e Os Passos Em Volta (renovando uma possível geografia de experiências). O olhar teo-antropológico habitual do poeta descobre vetustos demiurgos irados com a criação, como se se tivesse simplificado abusivamente os sentidos das palavras.

Escreverei encostado ao autor, expondo desajeitadamente algumas das ressonâncias provocadas pelas setas que me atirou.

A exigência poética obriga a criar no meio da loucura e do sem-sentido, esse é o material de construção. O “estilo”, arte de ordenar, procura conjurar as constantes e irredutíveis metamorfoses, em vão. Não há linhas de composição definitivamente validadas, os astúcias que se usam conduzem sempre a uma ratoeira. De qualquer forma, escreve-se, o poeta escreve, resolvendo enigmas com novos enigmas. Corre atrás da realidade, constantemente fabricada, porque deus não permite que se faça a paz com o fortuito.

Fortuito fora, desvanecimento dentro. O poeta é um não-ser. Órgãos feitos de pó que retornarão ao pó (o orgânico é um breve interregno). A estridência, que por vezes experimenta, só pode ser inconsequente (ainda bem). Tudo está amarrado a uma velha economia do desespero, não é possível sair deste círculo nevrálgico, porém menos ansiolítico do que a esperança (velha fake news). Então, fugindo às cegas para a frente, erigem-se lugares, e lugares, e lugares, e... sempre inóspitos, lugares para morrer. E se vamos resistindo, fragmentados em desconexas variações do eu, sabemos que basta o pecado fisiológico atingir uma pequeníssima parcela do ser para contaminar tudo.

Todavia, parece haver ainda uma consciência pronta a descrever um real que é “uma filosofia das paisagens / que dura sete dias e sete noites”. Claro que “é tudo mentira”, e mesmo quando se acede à sabedoria, ninguém sabe muito bem como, ela é “vil, esmagadora”. É por isso imperativo, diz-nos Eduardo Quina, trabalhar na própria morte, dar-lhe “o sentido do recomeço”. Talvez ela seja “essa força criadora e transformadora”. Talvez, “porque continuamos enclausurados / na mesma ausência”.

 

Poema de abertura:

ESTILO
o poeta não morre da morte da poesia

o texto em movimento
em acto contínuo:
poemacto:
a descodificação do género:

o estilo

a re-criação da forma ao
ritmo de uma unidade de significação

enlouquecemos naturalmente

é esse o ofício do refinamento
da escrita
do medo
esvaziando a loucura, criando a dignidade.
até à sua perda
absoluta

e a solidão ao centro