RYMAN

 

                                        para o João Miguel Fernandes Jorge

*

É preciso fechar os olhos para ver!
Se a força não permitir o seu fechamento
devemos então enterrarmo-nos na mais branca neve
sem roupa
nus como convém à entrega absoluta
para ir ao encontro da mais gloriosa das formas
inclassificadas,
ditas informes por alguns.
Talvez apenas disformes ou, simplesmente,
divididas em constelações dispersas, contendo em si
um leve fio entre o nosso olho mental e a morte.
Sempre a morte. 
Fechemos os olhos e se não os abrirmos
talvez vejamos a presença terrífica do Ser,
a que muitos chamarão, por preguiça, cegueira. 

Não há brancura ou deleite, Pedra Pomes,
ou a tomada de consciência de que além do ser
existe outro ser.
Tomara todos termos o dom de reduzir à
entranha mais branca do medo
a negação absoluta ou a
mais possante afirmação
redizer toda a forma
fechar os olhos
abri-los e ver toda a potência num único
plano.

  **

O desconforto, o vazio ou, simplesmente,
a mais agónica impotência trazida para o corpo de
quem ama ardentemente
 a brancura, o pensamento,
a mais branca pele, a película
subjacente
de outra
tonalidade, a afirmação da imensidão
da tentativa de dizer. 

O Corpo branco,
de variados brancos, películas sobrepostas de gotas
de azul transparente,
esparguete revestido da mais paciente atenção. 

Tingido o olho,
o pensamento tenebroso
ousa encontrar os fios perdidos entre a
palavra e o caos informe.

   ***

 O cego que vê,
seduzido desejo da terrível condição do insubmisso,
cujo apaziguamento nunca virá numa generosa afirmação,
- abraço ou gesto prolongado
da obra ao espetador -
tenta recolher os cansados dias,
as penas lançadas da derrota,
a pluma branca do cavaleiro que nunca saiu do lugar. 

Talvez aí, a água calma,
profunda,
com laivos de tentadora vibração,
caia sobre nós,
os insatisfeitos da facilidade das entregas. 

Leva-me ao corpo paradoxal do ente que dorme,
desperta a mais leve doçura,
o bicho do pensamento que transporta a imobilidade do Tempo. 

Permanece, feito cobra, a cobra do corpo que morde.
A cobra, que morde sobre si mesma,
entra pela estrada
sem saber onde desemboca o abismo. Possa  

o Tempo
respirar pelos átomos da brancura do Ser!

12.2018

Robert Ryman - Untitled #1 1004 -(1960-61).jpg

Robert Ryman (1930-2019) - Untitled #1 1004 (1960-61) (Pormenor).