La Femme d´Argent
/Hoje escrevi o primeiro poema de Maio e o céu tem a cor daqueles dias tristes
Dos quais tenho saudades, chovia também nesses dias e as gotas escorriam
Pelos vidros da Mitsubishi ao ritmo de Mike Oldfield, encostava a cabeça
E tudo me sabia a mercúrio frio e às pocilgas na Espanha fronteiriça,
Contudo tinha as mãos vazias e jovens e havia satisfação naquilo tudo,
Saber que ia morrer, cair num vazio absoluto e que o mundo passaria bem sem mim,
Que rico me sentia com aquela aconchegante tristeza,
Aquela verdade que ninguém parecia ver, na cor do céu, em cada sorriso
A promessa de uma lágrima, muros de pedra ao vento numa aldeia deserta,
Cujas mãos construtoras há muito uma fotografia apagada pelo sol no cemitério,
E o poder de acabar isto tudo na sorte e na vontade que esmaga todas as outras,
Acabar um universo com um murro num espelho de guarda-fatos carunchoso,
Escrevi o primeiro poema de Maio, engolindo a tristeza sem razão,
Não culpo o céu de chumbo, o peso do ar entre os goles de cerveja,
Quente, não culpo a evidente verdade há muito coberta pelo cotão dos bolsos,
Culpo esta camada fininha de gordura que me reveste a alma
E me impede de lamber o sabor o cinzento como prata,
Se algo me falta é a miséria, daí me sentir, talvez, miserável ao Sol de chumbo.
Turku
26.05.2019